domingo, 30 de dezembro de 2012

Natal 2012


Como este ano, pouco aqui escrevi sobre o Natal, deixo umas musicas de Andre Rieu, esperando que todos os que aqui me visitem, tenham tido Um FELIZ NATAL!!

Gosto II

 
Bem te avisei, meu amor
Que não podia dar certo
Que era coisa de evitar

Que como eu, devias supor
Que, com gente ali tão perto
Alguém fosse reparar

Mas não!
Fizeste beicinho e,
Como numa promessa
Ficaste nua para mim

Pedaço de mau caminho
Onde é que eu tinha a cabeça
Quando te disse que sim?

Embora tenhas jurado
Discreta permanecer
Já que não estávamos sós

Ouvindo na sala ao lado
teus gemidos de prazer
Vieram saber de nós

Nem dei por o que aconteceu
Mas mais veloz e mais esperta
Só te viram de raspão

A vergonha passei eu
Diante da porta aberta
Estava de calças na mão

Gosto

Insónia

Filipe Pinto

Acordo ou deixo dormir
O meu monstro da noite
Era bom poder, sorrir...
Em escassas horas de sono
Assim sento e recolho
Ao frio da insónia
Que vi, em mim...
Faz-me revirar o tempo
O monstro não me deixa não...
Dessa mente que não quer sossego!
Dessa mente que não quer sossego!
Murmúrios ou medos
Há quem durma sem jeitos
Em cima de uma cama
A rir, de mim...
Faz-me revirar o tempo
O monstro não me deixa não!
Faz libertar ao escurecer a mente
Que amanha eu devo ir trabalhar!
Mais do mesmo se encontra...
Nestas horas de ponta
O corpo pede a alma pra dormir,
Em mim...

Faz-me revirar o tempo
O monstro não me deixa não!
Faz libertar ao escurecer a mente
Que amanha eu devo ir trabalhar!
Num sonho por sonho
Num monopólio de oiro
O vício da insónia
Não consegui...

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Que Mundo é este?

"Pluma Caprichosa" - A Suicidade da Sociedade  - Clara Ferreira Alves

Sem o voyeurismo que alimenta as massas, sem o voyeurismo da intriga e da devassa da intimidade, nada disto teria acontecido

PARAFRASEANDO MARK TWAIN, sinto-me a pessoa com juízo na comunidade de loucos.
Dois radialistas australianos resolveram pregar uma partida e telefonar para o hospital onde Kate Middleton estava internada, fazendo-se passar pelo príncipe Carlos e pela rainha Isabel II.
Por razões não esclarecidas, a chamada foi passada à enfermeira que cuidava da duquesa grávida. E a enfermeira deu pormenores do estado. Este estado não era segredo, pelo contrário.
Dias seguidos, jornais, televisões e plataformas digitais esgotaram o tema da gravidez real e dos vómitos matinais da duquesa de Cambridge. Com uma insistência doentia numa notícia irrelevante, os “órgãos da comunicação social” e a inteligência bovina que demonstram, pastaram nas verdes pradarias da realeza. A CNN chegou a fazer uma reportagem sobre os “custos de ter um bebé”, pondo um preço em dólares na maternidade e na paternidade. Ou na propagação da espécie. Como se este preço fosse o mesmo no caso de um membro da família real ou de uma família do Bangladesh. O problema é justamente este. A família miserável do Bangladesh, a família assassinada da Síria, a família decepada no México, não têm interesse para os noticiários do novo realismo social. Não são celebridades.
Um bebé real é um bónus nas cadeias de informação à míngua de jornalismo, e umbebé real tanto pode ser o bebé Beckam como o bebé Cambridge, não interessa. O que interessa é a celebridade dos pais.
Kate Middleton vê-se já como se viu Lady Di, o sujeito e o objeto de uma atenção doentia. As hipóteses de a atenção acabar em tragédia aumentam.
A enfermeira que atendeu o telefonema dos brincalhões, suicidou-se. Nada sabemos do que se passou no hospital antes deste suicídio, e o hospital, sendo um hospital de milionários e da realeza, sacudiu a água do capote, chegando a dizer que “tinha apoiado” a enfermeira, dias depois de ter dito que iria revolucionar a segurança dentro do hospital, controlar o atendimento telefónico e impedir erros semelhantes.
É de esperar que a enfermeira não deva ter-se sentido muito apoiada depois do seu equívoco. Para a reputação do hospital, foi um erro imperdoável. É duvidoso que a enfermeira, ao divulgar dados da doente, não tenha sido admoestada ou até ameaçada de despedimento. Mesmo assim, todos concordamos que nada disto é causa de suicídio para uma mãe de família com marido e filhos, amigos, socialmente integrada. Se fosse despedida seria readmitida noutro lugar. Se não fosse, a vida continuaria como dantes. Avisada. Tratando doentes menos reais. A identidade da enfermeira não foi divulgada na altura (só depois da morte), a duquesa não tinha uma doença grave, nenhum segredo de Estado ou traição à pátria estavam em causa, não havia crime ou negligência. Apenas inocência.
Os autores da partida exageraram no triunfo após terem enganado o hospital mas isso não faz deles assassinos ou psicopatas. São também vítimas. Vítimas da raiva e do ódio do mundo indignado, das torrentes de insultos nas redes sociais, das ameaças de morte. Ficaram sem emprego. Numa entrevista à televisão australiana, disseram lacrimejando o que qualquer pessoa sensata sabe, que nunca lhes passou pela cabeça que aquilo fosse mais do que uma brincadeira idiota.
Nestas coisas, o povinho é impiedosamente moralista e a multidão anónima adora encontrar bodes expiatórios onde possa aliviar a culpa. Qual culpa? A do voyeurismo. Porque sem o voyeurismo que alimenta as massas e a sua superpop culture, sem o voyeurismo da intriga e da devassa da intimidade, nada disto teria acontecido.
Culpar dois inocentes de uma morte com a qual só indiretamente têm a ver, por mais estúpida ou odiosa que seja a partida, é o princípio do linchamento. A contemporaneidade que consome notícias e sentimentos não resiste a um linchamento, com a mórbida cumplicidade dos jornais e televisões. É triste que o jornalismo tenha chegado a isto. E esqueça e oculte verdadeiros crimes contra a humanidade.
A enfermeira suicidou-se por uma razão menor, uma inversão de valores que preside ao moralismo empacotado.
Devia ter resistido e devia ter pensado que deixava órfãos.
Uma pessoa estável e razoável, com uma família sólida e uma vida útil, não deve matar-se por causa disto.
Um hospital não pode vir dizer que “apoiou” uma pessoa que se matou.
Os australianos, na sua idiotice, são os últimos a quem se podem pedir razões que existem dentro do suicida.
Os australianos são causalidade remota. São também os mais fáceis culpados.
Tudo, hoje, tem de ser fácil. A internet e o seu fluxo de informação exultam com a irracionalidade, a desumanização e a negação da lógica. Criam e ampliam o drama que nunca devia ter existido.
Como disse Antonin Artaud de Van Gogh, a enfermeira foi uma “suicidada da sociedade”.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Bom fim de semana

Tom Jobim: Garota de Ipanema (com Vinicius de Moraes) 


Fico assim sem você - Adriana Calcanhoto 


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Por dinheiro...vende-se a alma...

Há 2 dias atrás transmitiu a TVI uma reportagem sobre mais uma GRANDE falcatrua com as escolas públicas e privadas do ensino básico e onde quem paga a GRANDE FACTURA somos nós todos.
É, é o nosso dinheirinho que agora falta e falta por andar por aí mal aplicado... mas o que mais doi, é que são negocios onde tanto estão elementos do PSD como do PS. Todos, todos de mãos dadas... VERGONHOSO!
Deixo aqui para quem não viu, uma reportagem de Daniel Oliveira do jornal Expresso que hoje escreveu sobre o tema.
Colégios privados GPS: uma história exemplar 
Daniel Oliveira (www.expresso.pt)  Quarta feira, 5 de dezembro de 2012
A história que aqui vos conto, e que muitos dos leitores terão tido a oportunidade de ver na reportagem da TVI (http://www.tvi.iol.pt/videos/13754874), «Dinheiros públicos, vícios privados» , na passada 2ª. Feira, é a de um grupo privado que nasceu à sombra da influência do poder político. E que, na área da educação, cresceu à custa de contratos de associação que desviam alunos das escolas públicas para colégios privados. Sem que tal seja necessário ou corresponda a qualquer benefício para os cidadãos.
Nas escolas públicas Raul Proença e Rafael Bordalo Pinheiro, nas Caldas da Rainha, há lugares vagos. Mas construíram-se dois colégios privados, do influente grupo GPS: Frei Cristóvão e Rainha Dona Leonor. Concorrência? Nem por isso. Os colégios recebem alunos que são integralmente pagos pelo Estado. Porque as escolas públicas do concelho estão sobrelotadas? Não. Porque não têm condições? Pelo contrário. As públicas pedem mais turmas e isso é-lhes recusado. As privadas crescem e recebem, por decisão da DREL, muito mais turmas do que as escolas do Estado. Os alunos são desviados do público para o privado. E o Estado paga.
Nos últimos cinco anos a escola pública, nas Caldas da Rainha, perdeu 519 alunos. Os colégios com contratos de associação (financiados pelos dinheiros públicos) ganharam 514. Não por escolha dos pais, mas por escolha do Ministério da Educação. A Bordalo Pinheiro, que tem condições invejáveis, resultado de um investimento de 10 milhões de euros, poderia ter 45 turmas. Tem 39. Os alunos em falta vão para escolas privadas, pagos por nós, com piores condições.
Enquanto nas escolas públicas vizinhas há professores com horário zero, os professores dos colégios do grupo GPS são intimidados para assinar declarações que os obrigam a cargas horárias ilegais. Dão aulas a 300 ou 400 alunos. Há professores com todos os alunos do segundo ciclo na sua disciplina. Tudo com o devido conhecimento da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP).
Para além das aulas, há, casos de professores a servirem almoços e cafés, a pintarem as instalações, a fazerem limpezas, arrumações e trabalho de secretaria e contabilidade. Isto nas várias escolas do grupo GPS, espalhadas pelo País. As inspecções do ministério a estas escolas, testemunha um professor, têm aviso prévio. Isto, enquanto, só no concelho das Caldas da Rainha, 140 professores das escolas do Estado chegaram a estar sem horário por falta de alunos.
As condições das escolas do grupo privado pago quase integralmente com dinheiros do Estado deixam muito a desejar. Portas de emergência fechadas a cadeado, falta permanente de material indispensável, cursos financiados PRODEP sem as instalações para o efeito e aulas a temperaturas negativas.
Falta de dinheiro? Não parece. Manuel António Madama, director da Escola de São Mamede, também do grupo GPS, é proprietário de uma invejável frota de 80 carros. Só este ano, o grupo GPS recebeu do Estado 25 milhões de euros. Cada turma das várias escolas do grupo recebe do Estado 85 mil euros. Dos 3 milhões de euros vindos dos cofres públicos para, por exemplo, a escola de Santo André, só 1,3 milhão é que foram para pagar professores. Aquando das manifestações contra a redução dos contratos de associação, decidida por José Sócrates e que Nuno Crato anulou (enquanto fazia cortes brutais na escola pública), a presidente da Associação de Pais quis saber para onde ia o dinheiro que sobrava. Ficou na ignorância.
A pressão para dar negativa a alunos que poderiam ter positiva mas, não sendo excelentes, poderiam baixar a média nos exames que contam para o ranking, são enormes. Até ao despedimento de professores e à alteração administrativa das notas. Os maus alunos, mesmo em escolas privadas pagas com dinheiros públicos, são para ir para as escolas do Estado. No agrupamento de Escolas Raul Proença há cem alunos com necessidades educativas especiais. No colégio vizinho da GPS, o Dona Leonor, com contrato de associação, quantos alunos destes, pagos pelo Estado, existem? Nenhum. ranking.
Como se explica o absurdo de duplicar custos quando as escolas do Estado chegam e sobram para os alunos disponíveis? De ter escolas do Estado em excelentes condições, onde foi feito um enorme investimento, semivazias e com professores com horário zero, enquanto nestas escolas privadas se amontoam alunos pagos pelos contribuintes, sem condições e com os professores a serem explorados? A TVI contou, numa inatacável reportagem de Ana Leal, documentada até ao último pormenor e com inúmeros testemunhos, a razão deste mistério.
A GPS é um poderoso grupo. 26 Escolas de norte a sul do País, invariavelmente ao lado de escolas públicas e com contratos de associação com o Estado. Em 10 anos criou mais de 50 empresas em várias áreas, do turismo às telecomunicações, do ensino ao imobiliário. António Calvete, presidente do grupo GPS, foi deputado do PS no tempo de Guterres e membro da Comissão parlamentar de Educação. Para o acompanhar nesta aventura empresarial chamou antigos ministros, deputados, directores regionais de educação. Do PS e do PSD: Domingos Fernandes, secretário de Estado da Administração Educativa de António Guterres, Paulo Pereira Coelho, secretário de Estado da Administração Interna de Santana Lopes e secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso, José Junqueiro, deputado do PS. Todos foram consultores do grupo GPS.
Mas entre os políticos recrutados pela GPS estão as duas principais figuras desta história: José Manuel Canavarro, secretário de Estado da Administração Educativa de Santana Lopes, e José Almeida, director Regional de Educação de Lisboa do mesmo governo. Foram eles que, em 2005, assinaram o despacho que licenciava a construção de quatro escolas do grupo GPS com contratos de associação para receberem alunos do Estado com financiamento público. Ainda não tinham instalações e já tinham garantido o financiamento público dos contratos de associação. Ou seja, havia contratos de associação com escolas que ainda não tinham existência legal. Um despacho assinado por um governo de gestão, a cinco dias das eleições que ditariam o fim político de Santana Lopes. Depois de saírem dos cargos públicos foram trabalhar, como consultores, para a GPS. E nem um despacho do novo secretário de Estado, Walter Lemos, a propor a não celebração de contratos de associação com aquelas escolas conseguiu travar o processo.
Alguns estudos recentes falam dos custos por aluno para o Estado das escolas públicas e privadas. Esta reportagem explica muitas coisas que os números escondem. Como se subaproveita as capacidades da rede escolar do Estado e se seleccionam estudantes, aumentando assim os custos por aluno, para desviar dinheiro do Estado para negócios privados. E como esses negócios se fazem. Quem ganha com eles e quem os ajuda a fazer. Como se desperdiça dinheiro público e se mexem influências.
A reportagem da TVI não poderia ter sido mais oportuna. Quando vier de novo a lengalenga da "liberdade de escolha", das vantagens das parcerias com os privados, dos co-pagamentos, da insustentabilidade de continuar a garantir a Escola Pública, do parque escolar público ser de luxo... vale a pena rever este trabalho jornalístico. Está lá tudo. O resumo de um poder político que serve os interesses privados e depois nos vende a indispensável "refundação do Estado".

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Magnifico!!!!

Para quem partilhar da minha opinião, em que há determinadas pessoas que se movem, falam, vestem, penteiam, calçam e por aí fora, todas, da mesma forma, da mesma maneira, todas IGUAIS, como que programadas e que, todas elas estudam ou estudaram nas mesmas instituições, consideradas de e para elite, pelos preços que se lá praticam... é que, entendamos, há que manter a distancia desde logo, afinal "cada macaco no seu galho"... Então para essas pessoas que partilham a minha opinião, leiam este texto de Francisco Seixas da Costa, nosso quase ex-embaixador em França, de quem já aqui tenho escrito uma ou outra vez. O diálogo é MAGNIFICO!

LÍDIA JORGE - assalto "MENSAGEM A MEIO DA NOITE"

Lídia Jorge nasceu em Boliqueime, Loulé, Algarve. Foi professora. Foi membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social e integra o Conselho Geral da Universidade do Algarve. Começou a publicar livros na decada de 80. Mas foi com o livro "A costa dos murmúrios" em 1988, livro que reflecte a experiência colonial que passou em África, em Angola e Moçambique, durante o último período da "guerra colonial" que, a autora, confirmou o seu destacado lugar no panorama das Letras portuguesas. Em 2004, esta obra, foi adaptada ao cinema.

Maravilhoso texto!
A propósito do assalto que lhe fizeram a casa, a escritora Lídia Jorge escreveu, para o blog "Casal das Letras", o texto que abaixo se reproduz.
escritora-lidia-jorge
Uma "mensagem a meio da noite"
Queridos amigos, tanto que eu queria não vos desiludir, cumprindo a tempo e horas o que vos prometi com solenidade, mas infelizmente irei continuar em falta, e desta vez a culpa traz dupla assinatura pois não é só minha, ainda que não conheça a quem imputá-la. Confuso? Compreenderão se vos disser que ao regressar a Lisboa encontrei a casa assaltada.

Sim, meus amigos, a porta estava entreaberta, como se um estranho outro dono nos esperasse, e a fechadura não havia sido violada. Como explicar? Uma pessoa entra pela casa adiante, com a consciência perfeita do momento, o domínio sobre os maxilares, perfeito, e os músculos dos joelhos, intactos. O coração nem bate um pouco mais, prossegue o seu caminho, tiquetaque, tiquetaque, relógio orgânico habituado a muita coisa, e aí vai ele, inalterado. O coração fala consigo mesmo — Ficou o computador? Ficou. Ficaram as fotografias? Ficaram. Ficou o frigorífico velho? Sim. O passa-discos, também ficou? Que bom. E também ficou o televisor. E ficou o coelhinho de chocolate que me inspirou um conto, há dois anos. E a caneta de rosca, e as rosas de sarapilheira, e o caderno encarnado.

Então uma pessoa olha para o caos instalado, a dança dos objectos que andaram de um lado para outro, cruzando-se no espaço, e sente uma espécie de anestesia. Não dá para pensar, só dá para ver. Pois no rebuliço, os pechisbeques voaram para cima da cama, os recibos das finanças foram parar nos portais, as cartas dos amigos ficaram debaixo dos óculos velhos, alguns deles saíram das caixas, e na confusão, de repente, a pessoa descobre que os aros estavam mais do que ultrapassados. Há quanto tempo estariam os óculos guardados no fundo da gaveta agora vazia? Aliás, todas as gavetas estão completamente vazias, e o chão está completamente juncado. Onde colocar os pés? O que estará debaixo do monte das informações bancárias, umas vinte, que parecem ter-se multiplicado por mil? E as moedas canadianas, e os reais desprezados? Que curioso é o bater do nosso coração. Tiquetaque, tiquetaque, sem alteração alguma.

Pois por que não? Há revelações estranhas nesta desarrumação dos objectos. Umas velas que não apareciam há vinte anos ocupam lugar preponderante por cima de cintos e meias. Cuecas velhas que uma pessoa guardou só porque tinham uma ponta de renda, estão largadas sobre o busto esverdeado do Bach. Uma almofada em forma de lagarta cobre uma caixa de vidro de onde terá saído alguma coisa que foi parar dentro de sapatos. Cartas, tesouras, sapatos. E de repente, a vida vem ao nosso encontro e fala do tempo que passa, e da irrelevância dos objectos guardados, como se eles apenas servissem para nos dar recados de que não há recados. Mas neste ponto, meus amigos, eu faço uma pausa.

Pois será que não haverá mesmo recados? Então o que sentirá uma pessoa que se infiltra na casa dos outros para procurar o que não lhe pertence? Será um método de vida? Uma táctica de dever? Um exercício de frieza? Um exercício de perversidade? Um dia, o Baptista-Bastos, na boa tradição romântica, chamou ao ladrão de “Senhor Ladrão”, e deu-lhe uns conselhos calmos. Pois também eu, ao regressar a casa e ao sentir que o ladrão deixou aqueles objectos que verdadeiramente mais amo no seu exacto lugar, fui assaltada por um sentimento semelhante, uma gratidão inexplicável por esse ladrão que só queria ouro e dinheiro, precisamente o que as pessoas da minha igualha não têm mais em casa, porque não têm em lugar nenhum.

E como uma romântica, que a seu tempo leu Os Miseráveis, comecei a pensar no Estado.

Inveterada, imaginei que não foi pessoa quem me assaltou a casa. Imaginei que foi o Estado quem veio pela calada da noite, meteu a chave falsa, rodou-a, silenciosa, o Estado empurrou a porta, o Estado pensou que havia uma fortuna nos lugares onde os cidadãos comuns costumam esconder as fortunas, o Estado enervou-se por só encontrar clips, cotão, recortes de jornais, murraça, e foi-se enfurecendo, foi atirando para o chão tudo o que encontrava na frente, na esperança de que a fortuna do cidadão de súbito saltasse do interior das páginas de um livro. Que ironia. O Estado a procurar ouro e divisas dentro das páginas de um livro. Que ridículo. O Estado cansou-se. O Estado ainda pensou derrubar o candeeiro, mas depois sentiu que havia visitado um cidadão insignificante, e achou que apenas perdera o seu tempo. O Estado sabe o que faz. O Estado abalou a procurar a sua sorte numa casa mais rica. Não falo só no meu Estado, falo também do Estado do visitante.

Quando cheguei a este ponto, de súbito o tiquetaque desorganizou-se, os joelhos deram de si, e felizmente que havia um Magnum Clássico no congelador. Ele permitiu, meus amigos, que eu abrisse este computador e vos explicasse por que razão, se acaso não me dispensarem, em face do exposto, de escrever um artigo para o vosso site, irei precisar de um tempo liberto desta presença dúbia que ainda permanece no interior da minha casa. De quem eu tenho pena, se for gente, por quem eu sinto raiva, se for Estado.