segunda-feira, 17 de agosto de 2020

39ª Crónica: "Foi num programa desses da tarde que servem para anestesiar os mais velhos..."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

30-07-2020


Foi num programa desses da tarde que servem para anestesiar os mais velhos, e fazer com que os que estão doentes se recomponham num ápice, de maneira a escaparem àquela tortura que o vi.

Mas haverá alguém que goste de saber o que se passa numa casa onde meia dúzia de alminhas se confinam voluntariamente e partilham a vida com desconhecidos? 

Palavra de honra que a mim os reality shows me causam verdadeiro asco. São a pornografia social mais baixa. “Ah e tal são um estudo sociológico…” o tanas!

Isso são desculpas para dar um ar mais intelectual ao que realmente é ali explorado: o inato voyeurismo do ser humano. 

O mesmo sentimento de doentia cusquice que nos faz abrir todas as gavetas do hotel onde vamos ficar apenas uma noite, nos faz olhar para dentro duma janela sem cortinas ou parar perante um acidente nas estrada. 

Gostamos de olhar o nosso pior ou a inevitabilidade da vida e da morte, a ser protagonizada pelos outros.

Mas enfim… Num desses programas, para além do resumo do reality show da semana (aquelas coisas têm resumos e análises, pasme-se!!!), apareceram uns pares de dançarinos de salão.

Sempre gostei de dança e o meu padrinho apoiou essa ideia que na minha geração povoava grande parte dos sonhos das meninas, o de ser bailarina, planar sobre um palco em voo e graciosidade, tutu aberto como pétala de flor.

Fiz ballet clássico durante quase uma década até concluir que jamais seria “bailarina estrela” como via relatado nos diversos livros que então lia.

Abandonei as pontas mas não perdi o amor à dança, a vontade de aliar o movimento à música.

Aliás, um dia em conversa esotérica com o Matias que, coisa nunca vista!, se assumia como católico e comunista, disse esta heresia:

- "Deus, caso exista, é música."

- Música? – perguntou espantado

- Claro. Repara, é omnipresente, não há nada que não tenha música. O vento, os ruídos das árvores, o mar. Até o silêncio tem uma certa melodia. Além disso, é a única coisa que te transporta para outro local com uma paz e uma alegria totais.

- Bem… isso depende das músicas. Mas repara, isso deixaria os surdos sem Deus – respondeu-me rindo.

- Parvo!!! Parvo e ignorante. Até os surdos sentem a música.

Pois foi assim, dançando, que vi novamente o monstro que me roubara a infância naquela noite em que levara preso o meu pai.

Nem queria acreditar! Parei a imagem, retrocedi e vi dezenas de vezes aquele rosto que parecia quase angelical não fosse o olhar frio sob aquela sobrancelha negra.

Era bem certo que: “erva ruim não a queima a geada”. 
Ali estava aquele verdugo, dançando sem uma qualquer preocupação, olhando a câmara de frente, impune, não se importando minimamente ou talvez nem se lembrando que do outro lado do ecrã, podiam estar algumas das suas vítimas. Ou descendentes das suas vítimas.

Fiquei gelada, paralisada, olhos fixos naquele homem que dançava o que agora me parecia uma dança macabra. 
Os anos não lhe tinham sido benévolos. Estava magro, mirrado e velho. 
Talvez pensasse que passaria despercebido, tão diferente do homenzarrão que fora. 
Pelo menos a minha memória de menina assim o recordava.

Foi o pontapé que me faltava para me decidir a mudar-me novamente para Lisboa.

Tinha que o encontrar.

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

38ª Crónica: "Ai, eu já não suporto isto... Esta máscara que me faz transpirar..."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza, 
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

29-07-2020


Ai, eu já não suporto isto… Esta máscara, que me faz transpirar, que muda as feições e a voz das pessoas, que nos faz parecer outros, que faz com que ninguém nos conheça, nem nós a eles. 

Ontem, estava eu no café e vi alguém dirigir-se a mim, com ar furioso (os olhos é a única coisa que a gente vê…) e a berrar:

- “Ó pá, mas tu já viste isto? Esta gente não sabe o que anda a fazer… E daqui ao Parque das Nações, ainda é um esticão”…

Eu ia mesmo responder: “mas você conhece-me de algum lado?” (se fosse a minha Perpétua diria: “mas você andou comigo na modista?”). 

Quando descobri que era o meu primo Jesualdo, que mora a duas ruas de mim… Ainda bem que não disse nada, senão ele ainda ficava mais furioso, coitado.

Tentei acalmá-lo, ofereci-lhe um café e ele sentou-se à mesa comigo, com as devidas distâncias e só sem máscaras enquanto bebíamos o café.

Depois disso respirou fundo e lá me contou o que tinha acontecido.

Por causa do vírus, a renovação dos nossos documentos faz-se de maneira diferente. 
E recebera uma carta para ir levantar o Cartão de Cidadão àquele lugar onde agora funcionam os tribunais e essas coisas, no Parque das Nações.

Aqui que ninguém nos ouve, devo confessar que esse é o sítio de Lisboa que eu mais odeio. No tempo da Expo, passava lá os dias inteiros, aquilo era lindo, e eu, a Perpétua e as miúdas, nem esperávamos tempo nenhum nas filas para entrar porque, se bem se recordam, quem levava crianças passava à frente. 
Mas depois que aquilo se transformou em bairro, é horrível. 
Nunca me entendo com aquelas ruas, nem percebo onde elas vão dar.

E o que é que tinha acontecido ao Jesualdo? 

Assim que lá chegou e foi chamado, avisou logo a funcionária:

- “Olhe que eu não tenho impressões digitais…”

Mas ela devia estar com os azeites, ou era do calor da máscara, encolheu os ombros e disse:
- “Oh meu Deus, aquilo que os ignorantes deste país pensam que sabem… Não tem impressões digitais… Pois não… Tem lá agora…”

À quinta máquina onde enfiou o dedo do Jesualdo, sem resultados, já não tinha tantas certezas…

- “Pois… Realmente… Coisa estranha… Nunca me tinha acontecido…”

Resumindo e concluindo, o Jesualdo foi mandado embora, porque era preciso fazer outro tipo de cartão e que regressasse quando recebesse nova convocatória: “praí daqui a uma semanita”.

- “E daqui a uma semana” - berrava o Jesualdo: - “lá tenho eu de voltar, mais despesas no transporte para lá e no transporte para cá… Bastava ela ter olhado para o cartão antigo e acreditar no que eu lhe dizia..”

Fiquei a olhar para ele, sem dizer palavra. Depois lá consegui murmurar:

- “Ó... ó Jesualdo...

- “Sim ?…”

- “Tu… tu não tens impressões digitais?…”

- “Não.”

- “ A sério?”

- “A sério… Mau… Já estás como a mulher do Tribunal?

- “ Então… e se tu matas um homem?”

Bom, tive de desatar a correr e voltar rapidamente para casa, senão o homem que o Jesualdo matava era eu.

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

37ª Crónica: "Para mim todas as memórias são feitas de cheiros."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

28-07-2020


Para mim todas as memórias são feitas de cheiros.

Todos os locais, todos os sentimentos, todas as pessoas, todos os acontecimentos, têm ao recordá-los um aroma próprio.

Talvez seja por isso que quando saio à porta inspiro profundamente, tentando viajar no tempo e encontrar aquela miúda que riu, chorou, foi feliz e infeliz, nesta mesma casa, nesta mesma rua. 

Só que agora a memória tem uma cambiante turva, talvez por causa da máscara que não me deixa absorver livremente os cheiros da calçada, das casas e do ar que é diferente de todos os outros.

Mas mesmo por entre esta espécie de camuflada mordaça, consigo ainda revisitar um bocadinho da minha infância.

Durante anos não quis aproximar-me sequer deste bairro. 
Tudo aqui ficara demasiado pesado e triste depois daquele Dezembro de 73.

Da miúda risonha e despreocupada, tinham arrancado o riso e a leveza e deixado no seu lugar, um cinzento frio com cheiro a escape de carro. 
Do carro que levara o meu pai durante a noite e que não voltara mais.

Mas o tempo é um bálsamo se tivermos a sorte de recomeçar de novo. E eu tive.

O homem com quem minha mãe casou naquele Verão quente de 75, foi o responsável pelo retorno do cheiro a Primavera, a terra molhada depois do imenso calor, a maresia. 

São esses os aromas que associo a esse homem bom que nunca quis que lhe chamasse pai: - “Pai há só um e nunca o deves esquecer!" – dizia, mas que fazia questão que o tratasse por Padrinho, que me ensinou a andar de bicicleta e patins, que insistiu em que tivesse uma educação superior, que aprendesse línguas e que me preparasse para ser independente. 

Um homem que fez sorrir e cantar de novo a minha mãe e que até ao fim andou com ela de mão dada para todo o lado, eternos namorados.

Morreu cedo demais, como acontece a todos os homens bons. 
Deus, seja ele qual for, deixa os piores para o fim. Pudera. Tem que os aturar toda a eternidade!
Pelo menos é o que dizem.

Quando morreu, o Padrinho Francisco, deixou uma pequena fortuna à minha mãe mas nem isso foi o suficiente para que ela encontrasse a coragem de seguir na vida sem ele. 

Pouco mais de um ano depois, juntou-se-lhe algures na eternidade.

Vi-me assim triplamente órfã.

Com uma licenciatura em Línguas e Literatura Modernas e já no sistema de ensino, de repente a casa deles pesou-me na alma. 
Não podia adiar por mais tempo o corte umbilical e isso implicava sair dali.

Porém não é fácil para uma mulher (ou um homem certamente) sem família e sem raízes ir para um local completamente desconhecido.

Durante toda a minha vida, o Matias tinha sido uma presença assídua. 
Eu lembrava-me vagamente dele, sabia que fora nosso vizinho naquela que era a minha vida antes da “noite”.

Mas mesmo estando nós a viver na “outra margem”, o Matias continuava a visitar-nos praticamente todas as semanas. 

Era assim como um tio que vivia em Lisboa.

Aliás ele e o meu Padrinho eram unha com carne e passavam horas em conversas que mudariam o Mundo se alguém as ouvisse.

Separados pelo Tejo, acompanhamos os acontecimentos de vida um do outro. 
Vivemos o divórcio dele e a viuvez da minha mãe. 
A minha entrada na vida profissional com quase um estágio de lecionação dado por uma amiga do Matias. 
Foi dele o ombro onde chorei as lágrimas da minhas completa orfandade e foi ele que um dia me ligou a dizer que a casa da porteira que fora a minha, tinha sido reconvertida e se encontrava à venda.

Foi uma compra de impulso. Ou talvez tivesse sido apenas uma coisa karmica.

O que é certo é que meia dúzia de meses depois, voltava ao 69 da minha infância, disposta a encontrar todos os fantasmas e sobretudo a fazer justiça.

Karma é de facto a bitch!!!

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

terça-feira, 4 de agosto de 2020

De novo... porque Adoro os dois :)

Tiago Nacarato e Miguel Araújo que formam a dupla: "NACARÚJO"






Tiago Nacara - "A dança"

Tiago Nacara - "A dança"
Um, dois, três
Um, dois, três

De uma dança nasceu algo
Que eu não sei como explicar
Sinto simplesmente sinto
E pouco mais tenho a contar

Meu coração dentro do peito
Agora vive a palpitar
Grito, simplesmente grito
A vida é boa de se viver

E há no mundo quem me faça sorrir
Como ela me faz
E há na vida quem me faça dizer
Mesmo que a seleção
Falhe um penalti em plena decisão
A vida é boa de se levar

Sinto que o melhor da vida
É poder aproveitar
Minuto atrás de minuto
De um vaivém no mesmo lugar

Com a minha mão na anca dela
Girando sem pisar os pés
Bonito, isto é tão bonito
Que canto sem desafinar

Que há no mundo quem me faça sorrir
Como ela me faz
E há na vida quem me faça dizer
Mesmo que a televisão
Mostre o Benfica pentacampeão
A vida é boa de se levar
Mesmo que a televisão
Diga que este ano não há verão
A vida é boa de se levar

E há no mundo quem me faça sorrir
Como ela me faz
E há na vida quem me faça dizer
Mesmo que um dia as Finanças
Se lembrem das minhas poupanças
A vida é boa de se levar

Mesmo que se acabe o stock
Da tão bem-vinda Super Bock
A vida é boa
A vida é tão boa
A vida é mesmo boa de se levar

"Só me apetece dançar..." - Tiago Nacarato com participação de Ana Bacalhau

Só Me Apetece Dançar 
                                                         Tiago Nacarato e Ana Bacalhau
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Hoje eu quero sair, gozar a idade
Vestir o meu melhor sorriso, viver a cidade
Carregar no perfume, no licor do costume
Esquecer a tristeza para variar
Hoje só me apetece dançar

Hoje só mostro de mim a melhor verdade
Quero beijar na boca fazer amizades
Ver a roda gigante, gritar no altifalante
Hoje é dia de comemorar
Hoje só me apetece dançar

Ver a roda gigante, gritar no altifalante
Hoje é dia de comemorar
Hoje só me apetece dançar

Só me apetece dançar
Só me apetece dançar
Só me apetece dançar
Só me apetece dançar
Só me apetece dançar
Só me apetece dançar
Só me apetece dançar
Só me apetece dançar

Hoje só vou pra casa de madrugada
Quero entrar e sair da mesma charada
E se na alvorada, houver nova cilada
Eu fico até a festa acabar
Hoje só me apetece dançar

E se na alvorada, houver nova cilada
Eu fico até a festa acabar
Hoje só me apetece dançar