terça-feira, 28 de julho de 2020

36ª Crónica: "Qualquer dia morro aqui estatelada no chão e ninguém dá por isso..."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

27-07-2020



Já não aguento mais… 
Qualquer dia morro aqui estatelada no chão e ninguém dá por isso… 
Acho que vou arriscar mesmo e vou até à rua. 
Quando é que eu alguma vez pensei em descer estas horríveis escadas sozinha? 
Tenho a certeza que o fantasma do senhor Juiz, que um dia caiu por elas abaixo e morreu, me há-de perseguir o dia inteiro. Mas vou arriscar. Quero lá saber de fantasmas! 
Mas, como dizia a minha mãe, eles nunca nos abandonam.

Uma vez, era eu miúda, lá em Fonte Boa de Baixo, a minha mãe mandou-me ir buscar uma certidão de nascimento do meu pai, que estava dentro de uma gaveta cheia de papelada, num móvel no sótão, onde ele passava o tempo todo. 
Ninguém lá entrava senão ele. 
E depois de ele ter desaparecido, também ninguém se interessou por isso. 
Lá subi as escadas que iam dar ao sótão, remexi naquela porcaria toda, poeirada e mais poeirada, e finalmente encontrei o papel que a minha mãe queria. 
Ia a descer as escadas quando, sem eu entender como, caí e vim a rebolar até cá abaixo.
Choraminguei quando a minha mãe apareceu.

- Ó mãe, não sei por que é que eu caí… Não tropecei em nada…

Ela encolheu os ombros e pareceu não se importar muito.

- Claro que não tropeçaste… Nem caíste... 

Olhei espantada para ela e para a nódoa negra na minha perna.

- Claro que não caíste… Tu foste empurrada… Ali era o sítio onde o teu pai estava sempre. Foi ele que te empurrou… Sabes perfeitamente que ele não gostava de ti… Nem de nós… Por isso é que eu nunca vou ao sótão…Tenho a certeza de que também vinha pelas escadas abaixo… Eles atormentam-nos a vida inteira…

Mas o Senhor Juiz nem me conhecia, por isso não há-de haver azar.

Eu gostava era de ter alguém que me viesse buscar, e se preocupasse comigo como aquela catraia que passa muitas vezes aqui na rua e está sempre a chamar pelo Doutor. Por acaso, aqui há uns tempos, ia bem acompanhada e não era o doutor… Mas ter um namorado agora, também não deve dar jeito nenhum, ninguém se pode abraçar, ninguém se pode beijar. Raio de tempo. Tenho a certeza que o meu Joãozinho, se cá estivesse, também me ajudaria muito.

E por falar em Joãozinho, nestes últimos tempos nem abro a televisão que ele me instalou cá em casa. Ou então só abro muito à noite, para ver aquelas séries de polícias e ladrões, e assassinados, sobretudo aquela de um detetive vesgo, com uma gabardina que nunca deve ter sido lavada, charuto a cair da boca, mas que adivinha tudo...

Agora, estar sempre a ouvir noticiários, e quantos morreram, e quantos vão morrer hoje, e quantos morrem amanhã , e onde é que estão a morrer mais, e onde é que estão a morrer menos... isso é que nunca. Dava-me um ataque de coração e morria logo ali. Porque não é só do bicho que se morre.

Bom, vou mesmo arriscar. Vou buscar a minha bengala que sempre me ajuda a descer as escadas, espero que os meus fantasmas estejam interessadíssimos a ver os programas da tarde da televisão e vou até ao café.

Há quantos anos não entras num café, Socorro? É melhor nem fazer contas.

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

domingo, 26 de julho de 2020

Vinícius de Moraes

Poema Enjoadinho

Vinícius de Moraes

Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

quinta-feira, 23 de julho de 2020

35ª Crónica: "Acabei por não concluir a razão..."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza,
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

21-07-2020


Acabei por não concluir, a razão pela qual, a minha vida foi o que foi por me chamar Matias.

Estava eu em plena navegação pelo passado quando tocou o telemóvel. 
Ao princípio ainda pensei que não era o meu, já que o som era tão abafado e longínquo. Mas, perante a insistência do bicho e o facto inegável, de me encontrar sozinho em casa, não tive outro remédio senão começar a levantar almofadas, a procurar por detrás de livros, até o ir encontrar caído entre a sala e a varanda, semiescondido pelo cortinado. 
Eu bem digo que esses bichos têm pernas! 
Que outra explicação existe para ter ido parar ali?

Está bem de ver que, mal lhe peguei e gritei “estou?!”, o bendito aparato calou-se. Número desconhecido… alguma publicidade ou coisa que o valha. Mal me tinha sentado de novo no sofá e novamente o som irritante de chamada. Estive vai que não vai para não atender.

- Estou?! – espantei-me com o som da minha voz, alguns decibéis mais altos.

- Sou eu… – respondeu-me uma voz sumida, chorosa, que levei segundos a identificar.

- Patrícia? Porque é que me estás a ligar dum número desconhecido?

- Porque estou aqui no Lar e com a aflição esqueci o telemóvel em casa. É o meu pai. Parece-me que apanhou o vírus.

Tive que morder a língua, respirar fundo para não responder que tinha pena do vírus e que erva ruim não a queima a geada, como se comprovava pelos quase cem anos daquela peça. Mas contive-me. Afinal era o pai dela e o avô dos meus filhos! Não deixava de ser um fascista do pior, um tipo que teria certamente contas a prestar ao Altíssimo, caso acreditássemos no Inácio, mas que aqui na Terra semeara o Inferno em muitas vidas.

– Que chatice! – foi o melhor que consegui responder.

– Bem sei que tu e ele… enfim… mas não queria deixar de te avisar no caso de acontecer o pior – a voz ia-lhe ficando mais fraca a cada palavra, como se as lágrimas estivessem ali à distância duma inspiração mais profunda.

Pobre Patrícia. É bem certo que o sangue sempre fala mais alto! Depois de tudo o que aquele canalha lhe fez, ainda era capaz de sentir, não sei se amor, mas qualquer coisa parecida com isso.

– Fizeste bem. E, olha, se puder ser útil em alguma coisa – palavras de circunstância, nada mais. Tal como a resposta dela.

– Obrigada, eu sei que posso contar contigo.

– Sempre. Um beijinho. Coragem – e desligámos.

Fiquei ali, de telemóvel na mão, a olhar o vazio, enquanto pensava no que o tempo faz às pessoas e aos sentimentos. 
Como era possível que uma paixão como a nossa se tivesse esboroado como um castelo de areia? 
Durante muito tempo acreditei que a culpa tinha sido exclusivamente minha. Mas o tempo tem também esse lado balsâmico que tudo coloca em perspetiva. 

O meu afã em procurar a notícia, em me envolver politicamente, mais e mais, era apenas a minha forma de fugir duma casa e duma família que me tolhiam e me sufocavam. 

Eu tinha vergonha de sentir assim. Mas a vergonha não apaga os sentimentos. Talvez tivesse conseguido viver assim o resto dos meus dias, mas a Patrícia tinha tido um exemplo próximo do que era viver amortalhado e, tal como a mãe muitos anos atrás, um belo dia fez as malas pegou nos miúdos e bateu com a porta.

Primeiro atordoado, um pouco à deriva, depois aliviado e quase grato, organizei a minha vida de celibatário. 

Posso dizer que antes de ser preso pelo raio do bicho com coroa era um homem feliz. Tinha uma ou outra namorada, cada uma de sua vez, note-se, nada sério, não dependia de ninguém, nem ninguém dependia de mim.

A solidão é um estado de espírito e isto não é um chavão. 
Nunca senti grandemente a solidão por estar sozinho, e a velhice que leva tantos a aguentar relações ocas, de anos e anos, a mim, nunca me assustou. Afinal todos morremos sós.

Até aquela besta do meu sogro! Só espero que não tirem ninguém do ventilador para o pôr a ele! Se fosse no tempo da “outra senhora” não me admiraria, agora assim e com esta idade…

Estou mesmo a imaginar o Inácio a abanar a cabeça dizendo:

– Que falta de caridade, ó Matias!

Paciência, velho companheiro! Creio ter sido um bom comunista, mas não me parece que seja um bom católico. Essa coisa de perdoar e de dar a outra face… é difícil, sabes?

Não conheci a minha sogra (engraçado… temos ex-mulheres, mas sogros é para a vida, vá lá saber-se porquê) e confesso que lamento. Uma mulher que naquele tempo, em que a honra se lavava com sangue, teve a coragem de sair de casa, não uma, mas duas vezes, é de se lhe tirar o chapéu!

A verdade é que, embora cheio de pergaminhos e temente a Deus (vês Inácio? São estas coisas que me confundem a fé), o senhor gostava de “molhar a sopa” e todas as “razões” lhe serviam: um homem que olhara mais prolongadamente a sua mulher, certamente porque ela o incentivara, a comida menos apurada ou uma camisa cujos punhos não estavam imaculadamente passados, porque a dona da casa não tinha mão nas criadas, o choro da criança porque de certeza que a “desmazelada” se esquecera das suas obrigações de mãe… enfim, tudo era motivo para uma bela sova.

Presa a um casamento que só a morte podia dissolver e temendo pela vida, um belo dia pegou na filhinha de colo e saiu de casa. Sem mais dinheiro do que aquele que tirara da caixa do dinheiro para as despesas da semana, conseguiu chegar ao seu Porto natal, onde uma mãe viúva a acolheu no casarão da Foz. Também ela soubera o que era ser “submissa e do lar”. Tivera a sorte de enviuvar cedo, e com uma herança considerável que lhe permitia poder viver sem depender de homem algum.

Durante algum tempo viveram felizes naquela vila matriarcal, frente ao mar.
Foi nessa casa que a Patrícia deu os primeiros passos e foi no mar revolto da Praia dos Ingleses que pela primeira vez molhou os pés.

Mas o paraíso é sempre um sonho perdido…

Humilhado na sua masculinidade, olhado com censura pelos seus pares que não lhe perdoavam não “ter mão na mulher”, Joaquim Apolinário (assim se chamava o animal, ou melhor, chama, que pelos vistos continua a fazer negaças à morte) decidiu comportar-se como um “homem civilizado” e deixar o caso na mão da justiça, que conhecia por dentro e por fora, ou não fosse ele um reconhecido advogado do regime.

Foi essa a razão pela qual, um belo dia, uma patrulha da GNR tocou à campainha do palacete com ordem para que a fugitiva retornasse ao lar.

Revoltada, a avó da Patrícia ainda tentou impedir a situação, mas de nada valeu, e mãe e filha voltaram a Lisboa, onde as esperava um fulano Apolinário que assim podia voltar a andar de cabeça erguida e mostrar ao mundo que era senhor incontestável da sua casa.

O que até ali tinha sido um purgatório, rapidamente se transformou num Inferno para a pobre senhora que, volta não volta, dava entrada no hospital com algumas fraturas devidas a “uma queda nas escadas”. 

Às receções, acudia com o rosto tão carregado de maquilhagem para disfarçar as nódoas negras, que se tornava doloroso sorrir, comer ou beber.

Toda esta história ficamo-la a saber, apenas quando o velho deu entrada no lar e se fez uma arrumação de papeis e tralhas na casa que ocupava. 
Ali, no meio dos dossiers de processos, acumulados ao longo dos anos, fomos dar com um enorme maço de cartas atadas com um elástico.

Eram as cartas que a mãe da Patrícia lhe tinha escrito ao longo dos anos e que o verdugo, empenhado em manter a farsa da morte precoce da mulher, que deixara uma filhinha tão pequena ao cuidado do pobre viúvo, nunca lhe mostrara.

Foram tempos muito difíceis e o golpe fatal no nosso casamento moribundo.

Patrícia debatia-se, sentia-se perdida e duplamente defraudada. O pai “matara” a mãe, privando-a desde muito cedo dum amor maternal que não podia retomar, já que a senhora acabara por falecer, convicta de que a filha não queria saber dela e a votara ao esquecimento.

Lembro-me duma noite (uma das nossas últimas noites nesta casa) por entre as lágrimas de tristeza e raiva, a Patrícia ter desatado a rir compulsivamente. Era um riso que dava calafrios e confesso que, por segundos, temi que toda aquela história tivesse despoletado qualquer doentio estado mental. Por entre as lágrimas e o riso estridente ouvi-a dizer:

- Há quem não tenha onde cair morto. Na minha família, os mortos têm duas campas.

Quem estaria no esquife do jazigo da família sob o nome de: “Carolina Apolinário, dedicada esposa e mãe amantíssima”?

Fosse quem fosse, fiquei satisfeito por saber que, pelo menos na morte, a boa da senhora tinha conseguido escapar ao seu algoz e descansar em paz no seu Porto natal.

E pronto, ainda não foi desta que contei a história do meu nome.

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

segunda-feira, 13 de julho de 2020

34ª Crónica: "Não costumo receber muitos telefonemas de gente da Arruda."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza,
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

12-07-2020


Não costumo receber muitos telefonemas de gente da Arruda. 
Da minha família já não há lá ninguém, e os amigos que ainda por lá restam, com a minha vinda para Lisboa, perdi-os de vista. 
Por isso, admirei-me quando reconheci a minha amiga Isaura no telemóvel.

Pareceu-me sentir um leve riso na sua voz, mas mesmo assim assegurei-me de que não tinha morrido ninguém.

- Não, não… Era só para te falar de um negócio que talvez te interesse.

Aí o riso dela rebentou mesmo, e a gargalhada da Isaura era inconfundível…

- Um negócio? Desembucha, mulher.

Mais outra gargalhada.

- Ainda te lembras do Sr. Acácio?

Foi a minha vez de rir.

- Ó Isaura… Então não me havia de lembrar… Mas ele não morreu já ?

- Morreu. Mas tem filhos. E os filhos, acho que se estão marimbando para a casa, vivem em França, só cá vêm de vez em quando, e puseram a casa à venda.

Calou-se ela e calei-me eu.

- A casa da Prima Ofélia está à venda? - murmurei.

- Está. E eu pensei que tu talvez estivesses interessada… Nunca se sabe, podias querer começar um novo negócio…

Aí é que rebentámos as duas. Eu ria tanto, mas tanto, que tive de me encostar à parede para não cair. Chamei-lhe todos os nomes, ela continuava: “nunca se diz não a um bom negócio…” - e não parávamos de rir.

Então, lá disse à Isaura que parvoíce tem limite, e que lhe telefonava depois para nos rirmos um pouco mais.

O Isidoro veio ver que risota era aquela, e bastou eu dizer-lhe:  “a casa da Prima Ofélia…” para as gargalhadas dele fazerem coro com as minhas:

- A santa… A santa da família…

A Prima Ofélia. Há quantos anos não me lembrava da Prima Ofélia.
Toda a gente sabia que a Prima Ofélia era santa. 
Lembro-me dela muito feia, muito velha, a falar sempre muito baixinho, de olhos postos no chão.

Nunca íamos a casa da Prima Ofélia… Era voz corrente que o marido lhe deixava o corpo cheio de nódoas negras de tanta tareia, que regateava até ao último tostão o dinheiro que lhe entregava, e que não gostava de nós.

Quando ele morreu, passou ela a vir muito a nossa casa. Nem nos passava pela cabeça ir à dela, que até era longe da nossa. Trazia-me sempre chocolates, livros de histórias, e ninguém sabia como ela arranjava dinheiro.

- Coitada, deve passar fome para ser simpática para nós… Santa, uma santa.

E, se calhar por ser uma santa, a Prima Ofélia morreu muito velha. 
Tão velha que, lá na Arruda, só a mãe da Isaura e a minha mãe é que ainda eram vagamente familiares dela. 

O senhorio ligou com alguma pressa de ter a casa de volta, nós que lá fôssemos despejá-la o mais depressa possível.

- Não estou para aturar o Acácio - disse a minha mãe - vai lá tu e a Isaura, que são novas e têm mais paciência.

Para além de santa, a Prima Ofélia era o cúmulo da arrumação, como verificámos assim que entrámos. Os quartos todos arranjados, almofadas e colchas garridas, e pelo ar um forte cheiro a incenso e a flores de papel.

Quando abrimos as gavetas, não havia nada, rigorosamente nada fora do lugar. Uma série de envelopes, todos empilhados uns sobre os outros, e uma série de documentos todos presos por um clip.

Estávamos nós no nosso trabalho, quando tocou a campainha.

Abro a porta e uma força da natureza feminina, dois metros por dois metros, sem se apresentar, pega nas minha mãos e diz que sempre foi de boas contas e “mesmo com essa santinha morta, coitadinha, estou aqui para pagar o que devo.”

Digo-lhe que não sabemos de nada, que já vimos os documentos todos e não há nada para pagar, mas ela entrega-me uma data de notas, presas por um elástico, e continua:

- Ai isso é que há. Sim, porque aquela santa sabia como a nossa vida é difícil, quem lhe chamou fácil só podia ser um estuporado de um homem, e nem sempre lhe podíamos pagar os quartos a horas, por isso ela deixava-nos pagar quando tivéssemos dinheiro, e logo havia de me morrer num mês em que lhe fiquei a dever...

Devolvo-lhe o dinheiro, mas ela volta a enfiar-me as notas nas mãos: “era o que faltava, sempre fui de muito boas contas”. 

Digo-lhe que a casa agora é do senhorio. E ela desata num pranto de genuína saudade pela prima Ofélia, e pergunta como é que ela e as meninas vão agora arranjar outra santa como aquela, que lhes fiava os quartos quando a freguesia rareava.

Só me lembro de a ver descer as escadas a fungar: “ai, a minha rica santinha, ai a minha rica santinha”, a Isaura de olhos esbugalhados, eu com uma data de notas nas mãos, e a santidade da Prima Ofélia a esboroar-se lentamente pelos meus dedos.

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

sábado, 11 de julho de 2020

Parabéns Filhos!!
















Parabéns, chegou o teu aniversário Minha Filha!
Lembro muito bem quando te colocaram no meu colo pela primeira vez... 
Choravas, olhei para ti, abracei-te e desejei que esse momento de ternura não mais terminasse... Acalmaste... depois, cortaram-nos o cordão umbilical... 
Nunca irei esquecer esse momento, nem outros... nem quando te ouvi chamar mamã ou mãeinha, pela primeira vez...
Mas já não és mais essa pequenina, crescestes, tornaste-te uma mulher independente e bem-sucedida.
Mas nós ainda temos por ti o mesmo Carinho de Sempre, ainda nos preocupamos contigo e fazemos Votos para que tudo Sempre dê certo na tua vida!!
Sempre que chega este dia, tantas recordações nos vêm a memoria... 
Feliz Aniversário Querida Filha!!
Muita Saúde, Paz, Amor, Felicidade, Amizade e Tudo e Tudo e Tudo...
Parabéns e Beijinhos



Parabéns Filho, 
Mereces toda a Felicidade do Mundo!
Admitimos que sempre tiveste muita Energia e que és uma fonte inesgotável de Orgulho para nós, por isso, mereces Tudo de Bom na tua Vida!!
Desejamos-te Muita Paz, Saúde, Alegria, Amizades e Muito Amor!!
Que todos os teus sonhos se realizem!!
Parabéns e Beijinhos



Foi há 4 anos






Foi há 4 anos que Portugal foi Campeão da Europa de futebol


O que teria acontecido se não estivéssemos em Pandemia...

33ª Crónica: "A importância de se chamar Matias."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza,
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

09-07-2020


Em vez de Ernesto, Óscar Wilde bem que poderia ter escrito “A importância de se chamar Matias”. Mas para isso era preciso conhecer a história, ela também baseada em equívocos e num enorme erro.

Entrei para o jornal com apenas 19 anos, um miúdo cheio de sonhos e com todo o sangue a ferver-me na guelra. Quem me recebeu foi o Manuel Inácio, o Inácio, o meu ídolo, sem tirar nem pôr.

Falámos durante quase uma hora, sobre o que eu queria e porque o queria. Eu devo ter passado todo o tempo a gaguejar. Aquele era o maior nome do jornalismo e estava ali, a falar-me do que era ser jornalista, da responsabilidade da palavra escrita e partilhada, da coragem de falar verdade e da necessidade de ser prudente também. Eu ouvia-o sem o ouvir. Na minha mente havia apenas uma certeza: queria trabalhar naquele local, aprender com ele, ser como ele.

Esqueci o meu curso de Direito, pelo qual tinha optado em contrapartida a seguir a carreira militar hereditária, que fora o meu sonho secreto durante tantos anos, e entendi que ser jornalista, dar voz a quem não tinha voz, era a melhor maneira de conseguir justiça para todos.

Saí de lá pisando nuvens e do meu ano de estagiário guardo, ao lado dos cheiros da minha infância, recordações que me enchem a alma ainda hoje.

Fosse porque fosse, o Inácio tomou-me debaixo da sua asa. Se calhar foi porque eu não o largava, como um cachorrinho saltitante ao lado da mãe. Bom, neste caso pai, se bem que o Inácio nunca foi um pai para mim, mas antes um grande amigo, o maior e o melhor amigo que alguém poderia desejar.

Sem saber bem como, passámos a ter uma rotina, a de nos encontrarmos todas as quintas-feiras, depois do fecho do jornal, para tomar um copo. Primeiro, num bar perto do jornal, depois, em casa dele, que também não ficava longe. 

O Inácio vivia sozinho, ao contrário de mim, que por uma “tolice de juventude”, casara apressadamente e debatia-me agora entre a vontade de voltar a casa, ver a Patrícia e o bebé, e o desejo de prolongar um pouco mais o tempo de liberdade, longe dos choros, biberons e fraldas, em que se tornara rapidamente a minha vida.

Falávamos de tudo e de nada, mas sobretudo de política e do estado a que o país tinha chegado. A censura, de tão apertada, chegava a ser ridícula. Pelo menos naquela casa eu podia ouvir música que o regime achava “perigosa” e ler alguns livros considerados panfletários. 

Era, aliás, a biblioteca, o que mais me atraía, muito embora houvesse uma coisa que me deixava intrigado: o número de Bíblias que aquele homem, que todos consideravam um revolucionário, possuía. Um dia não me contive:

- E eu a achar que eras comunista….

Ele acendeu um cigarro e com o maior dos à vontade, disse:

- E sou!

- Mas então, estas Bíblias todas são para despistar, é? Na volta só são as capas e lá dentro estão livros ainda mais proibidos do que aqueles que tens em segunda fila.

- Enganas-te meu rapaz. São Bíblias mesmo. Sou comunista e católico.

Aquilo, a mim, fez-me uma confusão dos diabos. Literalmente! Como era possível tal coisa?

O Inácio explicou-me como, e de passagem, não só me deu uma lição sobre o que era o comunismo (coisa que eu intuía, mas desconhecia) e como se articulava com o catolicismo.

- Quer isso dizer que tu e o Cardeal Cerejeira poderiam ser grandes amigos? – piquei-o.

- Deus me livre! Eu sou católico, mas estou completamente em desacordo com a hierarquia da igreja. Para mim são duas coisas completamente distintas.

A partir desse dia passou a fazer questão de me iniciar numa e noutra área: a fé e a política. Daí a tornar-me membro do Partido foi um instante, e com a militância passei à ação.

Comecei a escrever com outra desenvoltura e liberdade, para jornais absolutamente clandestinos, em tipografias de vão de escada.

O grande problema era a distribuição. Mas aí eu contava com um trunfo fantástico: um carrinho de bebé. Acredito que tenha sido dos primeiros pais a passear a criança pelas ruas de Lisboa e nem sempre a horas convencionais. O colchão fora substituído por folhas e folhas de jornais, algumas vezes ainda frescas de tinta, que tingiam os casaquinhos feitos primorosamente pelas avós dum e doutro lado.

A Patrícia achava imensa graça. Aliás, fora para mim uma surpresa a forma como reagiu quando soube desta minha vida dupla.

- Ah se o meu pai sonhasse – dizia, rindo de cada vez que preparava o carrinho.

Acompanhava-me muitas vezes, mas uma segunda gravidez inesperada fez-me afastá-la dessas lides. Uma coisa era apanharem-me a mim com a criança, à qual naturalmente não fariam nada. Outra, era ela naquele estado ser presa pela PIDE.

Uma noite fui mandado parar. O Guarda Republicano achou estranho um homem, àquela hora, já passava das oito da noite, a passear um bebé. Expliquei que a criança só sossegava assim, no carro e a passear.

- Então e a mãe, não pode trazê-lo?

- Ó senhor Guarda, a minha esposa está de novo de esperanças…

Ele riu:

- Ah maganão, isso é que é trabalhar! Mas veja lá se ela passeia o miúdo, que um homem nesses preparos até parece mal. Afinal as mulheres são para isso mesmo, para tratar de nós e dos filhos. Fiz um sorriso amarelo e despedi-me.

Mas poucos dias depois, regressava eu de mais uma distribuição, quando fui novamente abordado, desta vez por um polícia à paisana. PIDE, está bem de ver.

Lá lhe dei a mesma desculpa, só que desta vez o tipo exigiu que tirasse o miúdo do carro. O pequeno ao ver-se assim tirado do soninho bom em que estava, desatou num berreiro. Eu bem tentava acalmá-lo, enquanto o Pide virava e revirava o carrinho. Deve ter achado estranho que a criança estivesse apenas em cima duma mantinha. Ou talvez não. Naquele tempo os homens sabiam lá como lidar com crianças, ainda mais de colo. Como o pequeno continuasse a berrar, o tipo exasperou-se:

- Ponha lá o catraio na cama e desapareça.

Eu suava, tentando com uma mão, organizar minimamente o ninho de ratos em que o outro tinha deixado o carrinho, e com a outra, segurar a criança contra o peito.

- Se me pudesse dar aqui uma ajudinha… – acabei por pedir.

Contrafeito, o Pide pegou no Jaime sem jeito nenhum, agarrando-o contra si como se fosse uma trouxa. Quando finalmente o deitei e olhei o PIDE, vi que o miúdo lhe deixara uma enorme “medalha” no fato.

Acho que nunca tinha sentido tanto orgulho em ser pai. O meu filho mijara na ditadura!

Lindo!
Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

terça-feira, 7 de julho de 2020

32ª Crónica: "Eu nem quero acreditar..."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza,
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

06-07-2020


Eu nem quero acreditar…

Depois de muitos dias ao telefone a tentar convencer o meu Joãozinho, a ficar cá em casa, quando viesse agora passar uns dias de verão a Portugal, liga-me ele a dizer que o hospital onde trabalha, não deixa ninguém vir a Portugal. 
E parece que o próprio governo não aconselha. 

Bonito serviço.

Primeiro era ele que estava hesitante, porque dizia que tinha casa, e não queria estar a incomodar-me. 
Depois, lá lhe fiz ver o disparate que isso era, aqui tinha quem tratasse dele, e até me podia dar um jeito na televisão que não me parecia estar lá muito bem. 
Aí ele animou-se mais, e disse-me que aproveitava para pôr na televisão uma coisa com um nome esquisito, net qualquer coisa, que me fazia ver todos os filmes e mais um, recostadinha no sofá, o que, para quem tem de estar enfiada em casa, ajuda muito.

E agora diz-me que não pode.

Eu estou tão farta de estar sozinha aqui dentro de casa que dou por mim a ter saudades de tudo.

Juro: estou cheia de saudades de Fonte Boa de Cima, das tareias que a minha mãe me dava, dos rapazes a chamarem-me coisas feias e a atiraram-me terra para a cara. 
Nem quero pensar mais nessas coisas senão, ainda acabo por sentir saudades do paspalhão do meu Faustino, sempre bêbado e a ressonar.

Há espelhos cá em casa e por isso, não tenho ilusões a meu respeito. 
Nunca fui bonita nos dias da minha vida. 
Bonita, era a Floripes, no nosso tempo de miúdas em Fonte Boa de Cima. 
Às vezes penso no que terá sido feito dela… Deve ter casado com um gabiru qualquer, daqueles muitos que andavam sempre à roda dela.

Mas há mais feias do que eu…

Olha, a Quitéria… Feia como uma noite de trovões, sem ofensa para os trovões… mas cheia de dinheiro. 

Uma coisa compensava a outra.

Acho que ainda é viva… Deve ter quase cem anos, penso eu… Costumava vê-la lá em Fonte Boa de Cima, toda aperaltada e sempre muito chorosa do seu Álvaro que, segundo ela, tinha sido a pessoa que mais a amara na vida.

Nós, quando ouvíamos aquilo, corríamos para casa e ríamos à gargalhada…

Em Fonte Boa de Cima, toda a gente conhecia a história da Quitéria e do Álvaro.

A Quitéria, podre de rica, terras, uma fábrica, dinheiro no banco, tudo herdado de pais e avós, de quem era a única descendente. 

O Álvaro, sem ter onde cair morto, muito mais novo do que ela, mas lindo de morrer e com um parlapié que convencia toda a gente.

Um dia, numa roda de amigos, o Álvaro veio com um estranho plano.

- Ó malta, vejam lá se isto não é uma grande ideia. Vou casar com a Quitéria.

As gargalhadas ouviram-se cá fora, mas que foi que te deu? Que maluqueira é essa? Ela podia quase ser tua mãe, e feia, feia...

Mas o Álvaro já tinha o plano todo na cabeça.

- Vão ver, ela já não deve durar muito, sei lá se tem alguma doença, mas é capaz de ter, já ouvi alguém dizer que o coração dela não andava muito bem… Casamos. E não a vou deixar parar um segundo: vamos a Espanha, vamos a Paris, vamos ver as Cataratas do Niágara, vamos andar de gôndola em Veneza... a desgraçada não aguenta tanta viagem, tanta movimentação, dá-lhe um treco e cai morta, e cá o Je, fica-lhe com a fortuna toda. Não é bem pensado?

Era, realmente. Casaram. 

Ele tratava-a como uma princesa. Passaram as férias em Benidorm, e daí foram conhecer as outras grandes praias de Espanha. 

Subiram à Torre Eiffel, caminharam por todo o Museu do Louvre, viram todos os castelos do Loire (aí ela começou a dizer que estava ligeiramente cansada, e ele começou a esfregar as mãos), quando estavam diante das Cataratas do Niágara, ela pediu-lhe que regressassem. Já não era uma criança e, além disso, agora ainda queria ter tempo para conhecer bem Portugal.

- Claro, minha querida, Portugal também merece ser visitado…

Voltaram a Portugal. 

No aeroporto ele alugou um carro para irem para Fonte Boa de Cima e depois dali, logo se via. Meteram-se à estrada, ambos muito felizes.

Numa curva, um tipo vinha fora de mão, chocaram de frente, e o Afonso chegou morto ao hospital...

Desde aí, ninguém aturava a Quitéria, a chorar pelo seu Afonso, que a tinha levado a conhecer meio mundo só para a fazer feliz… E como ela tinha sido tão feliz com ele…

Bom, eu não queria um Afonso na minha vida, mas mesmo com a minha idade, não se arranjava para aí um velhote para me fazer companhia?

A vizinha Perpétua parece que se dá muito bem com o seu Isidoro.

Dava-me jeito, por acaso. 

Vou para a janela (só me falta o pó de arroz...),  ver como estamos de paisagem...

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Recordar Amália Rodrigues

Recordar Amália Rodrigues que faria hoje 100 anos, ou seja, nasceu a 1 de Julho de 1920.
Amália Rodrigues, não precisa que se fale de nada, todos sabem a sua vida e, para falar de Amália, basta dizer o seu nome.
Amália da Piedade Rodrigues, nasceu em casa, na Rua Martim Vaz, na freguesia da Pena, próximo da Mouraria, em Lisboa. 
Os pais eram naturais da Beira Baixa, radicados em Lisboa durante anos. 
Amália Rodrigues é a quinta de nove filhos.