quinta-feira, 2 de agosto de 2012

As marchas populares e o Fado

E foi assim que aos poucos, nasceram as marchas populares. As inúmeras associações de bairros ou colectividades, em colaboração e apoio do Governo Municipal, foram contribuindo para a consolidação das marchas durante a festa anual da cidade, tal como são hoje.
Estas marchas representam a memória da história deste povo da cidade de Lisboa: varinas, fadistas, aguadeiros, vendedores ambulantes, marinheiros, saloios, criadas e aristocratas, são apenas algumas das figuras típicas que os bairros trazem para a rua, no desfile anual das marchas, invocando igualmente o mar, o rio, as hortas, os pregões, as fontes, os chafarizes, os eléctricos, os mercados...
A marcha de cada Bairro, ou freguesia, invoca sempre temas da sua própria história, assim temos como exemplo:
·         Alto Pina, cujos pares de marchantes representam pessoas de origem minhota…
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·         S. Vicente, cujos pares de marchantes representam criadas e nobres…
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·         Bairro Alto, cujos pares de marchantes representam varinas, tricanas, estudantes…
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·         Benfica, cujos pares de marchantes representam saloios…
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·         Mouraria, cujos pares de marchantes representam o fado com as suas severas e fadistas…
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·         Alfama, cujos pares de marchantes representam os marinheiros, os fidalgos, as varinas…
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·         Madragoa, cujos pares de marchantes representam pescadores, varinas, honrada
gente do mar, que vieram de vilas e aldeias…
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·         Graça, cujos pares de marchantes representam os fidalgos e a colina altaneira…
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·         Campolide, cujos pares de marchantes representam os trabalhadores rurais…
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·         Alcântara, cujos pares de marchantes representam quem vem e quem parte nas águas salgadas…
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E tantos outros: Castelo, Ajuda, Marvila, Campo de Ourique, Bica, Santa Catarina…
Mas eis então que logo surgiu a vontade de existir uma marcha que se sobrepusesse a todas as outras… nasceu assim a marcha de Lisboa.
SINFONIA DE LISBOAMúsica de RAÚL FERRÃO
Versos de NORBERTO DE ARAÚJO
Toda a cidade flutua
No mar da minha canção
Passeiam na rua
Retalhos da lua
Que caem do meu balão.

Deixem Lisboa folgar,
Não há mal que me arrefeça,
A rir, a cantar,
Cabeça no ar,
Eu hoje perco a cabeça.
                                                               Refrão:
Lisboa nasceu
Pertinho do céu
Toda embalada na fé.
Lavou-se no rio,
Ai, ai, ai, menina
Foi baptizada na Sé.

                                                               Já se fez mulher
E hoje o que ela quer
É trovar e dar ao pé.
Anda em desvario
Ai. Ai. Ai, menina
Mas que linda que ela é!

Dizem que eu velhinha sou
Há oito séculos nascida
Nessa é que eu não vou,
Por mim não passou
Nem a morte nem a vida

O Pajem me fez um fado
De novo ali me leu a sina
Não ter namorado,
Amor nem cuidado
E ficar sempre menina!
Refrão:
Lisboa nasceu
Pertinho do céu
Toda embalada na fé.
Lavou-se no rio,
Ai, aí, aí, menina
Foi baptizada na Sé.

                                                               Já se fez mulher
E hoje o que ela quer
É trovar e dar ao pé.
Anda em desvario
Ai Ai Ai menina
Mas que linda que ela é!


Noite de Santo António
Música de RAÚL FERRÃO
Versos de NORBERTO DE ARAÚJO


Cá vai a marcha
Mais o meu par,
Se o não o trouxesse
Quem o havia de aturar

Não digas sim,
Não me digas não,
Negócios de amor
São sempre o que são.  

Já não há praça
Dos bailaricos,
Tronos de luz,
Um altar de manjericos 

Mas sem a Praça
Que foi da Figueira,
A gente cá vai
Quer queira ou não queira.

(Estribilho – refrão):

Ó noite de Santa António!
Ó Lisboa de encantar!
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar.

Enquanto os bairros cantarem,
Enquanto houver arraiais,
Enquanto houver Santo António
Lisboa não morre mais.
Lisboa é sempre
Namoradeira,
Tontos derriços
Que até já fazem fileira.

Não digas sim,
Não me digas não;
Amar é destino,
Cantar é condão.

Uma cantiga,
Uma aguarela,
Um cravo aberto
Debruçado da janela.

Lisboa linda,
Do meu bairro antigo,
Dá-me o teu bracinho,
Vem bailar comigo.
 (Estribilho – refrão):

Ó noite de Santa António!
Ó Lisboa de encantar!
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar.

Enquanto os bairros cantarem,
Enquanto houver arraiais,
Enquanto houver Santo António
Lisboa não morre mais.

Meu bairro passa
A cintilar,
Tanta estrelinha
Que parece o céu a andar.

Não digas sim,
Não me digas não,
Porque Santo António
Também traz balão.

Velha Lisboa,
És sempre nova,
Cravinho ao peito,
E na boca a tua trova.

És tão bonita,
De avental taful,
De corpete fino,
De saiote azul.

Mas estas festas acontecem apenas num determinado período e logo há necessidade de outros entreténs, nasce assim, embalado nas correntes das desgraças da vida, no sofrimento, nos desgostos românticos e amorosos, na saudade de tempos passados e de amores perdidos, na tragédia, desgraça, sina ou destino, da dor, do amor ou desamor, do ciúme que queima na noite, com sombras de miséria de vida…, uma “cantilena” que tanto exprimia a tristeza de um povo e a desilusão deste para com o ambiente instável em que vivia, como abria esperanças sobre o quotidiano das gentes mais desfavorecidas, a essa forma de cantar, chamou-se-lhe fado. Um cantar com tristeza e sentimento, as mágoas passadas e presentes, bem como historias divertidas cheias de ironia. Ou ainda um desafio entre dois ou mais cantadores que cantam de improviso versos, dando assim origem á chamada “desgarrada” mas sempre, sempre, acompanhados pelo gemer das guitarras que choram...
As suas origens boémias, vadias, das tabernas, dos ambientes de orgia e violência dos bairros mais pobres e violentos da capital, tornavam o fado condenável… Porém, os tempos foram passando e mais tarde, com a presença de fidalgos titulares, nalguns dos Bairros Populares, o fado torna-se presença nos pianos dos salões aristocráticos. Assim, a pouco e pouco, o fado, tornasse assíduo dos salões da aristocracia, tornando-se rapidamente numa expressão musical nacional.

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