Já aqui me pronunciei sobre o filme francês "AMOR".
Mas, esta semana, li na revista do jornal Expresso, uma bela homenagem ao filme, escrita pelo psiquiatra José Gameiro, na rubrica de opinião "Há vida alem da crise".
Vou tentar transcrever um pouco para que fiquem a conhecer.
Já não sei se te conheci no primeiro ou no segundo dia de aulas, mas sei que foi num daqueles anfiteatros enormes, tipo arena romana, em que todos fugíamos dos lugares lá de baixo, perto do professor.
Sentaste-te ao meu lado, sem qualquer intenção, era o último lugar da fila ao pé da porta...
no fim pediste-me os apontamentos, fomos para a sala de alunos e falámos, falámos.
Éramos tão certinhos, não faltávamos as aulas...
... Descobrimos juntos a intimidade, aprendemos juntos que um abraço vale mais do que dezenas de conversas.
Não resistimos e juntamos os trapinhos antes de acabar o curso, aqui para nós que ninguém nos ouve, para podermos dormir juntos.
Sobrevivemos, como todos os casais, com ditos e não ditos... mas nunca perdemos a cumplicidade e a atracção que tanto nos uniu.
Ao fim de, talvez, trinta anos e dois filhos, naquela conversa no carro a caminho do Porto, lembras-te?, decidimos ficar juntos até ao fim.
Assustei-me, mas explicaste-me que o tempo passa a correr...
... Até que um dia, estavas muito bem disposta, rias-te com os netos, caíste para o chão e nunca mais me conheceste.
Foi um AVC...
... Passado pouco tempo não saías da cama.
Deixei de trabalhar, fiquei contigo, os filhos insistiam para arranjar alguém para tratar de nós, recusei. Enquanto eu pudesse, não ia permitir a entrada de estranhos na nossa intimidade.
Continuei a dormir contigo, a fazer-te festinhas, a conversar, a contar-te o que acontecia no mundo...
... Passámos muitos serões a ouvir as nossas musicas...
... Continuei a tirar-te fotografias, estás uma velha bonita...
... É espantoso como falam do que não conhecem, como se alguém tivesse o direito de falar de nós, não percebem nada de nada...
Ontem acordei e não sabia onde estava, recuperei e decidi que íamos acabar como começamos, sozinhos...
... Agora decidi pelos dois, logo vou-te despir, vou-me embrulhar no teu corpo e vamos adormecer os dois. Não te preocupes com o frio, já isolei as janelas e as portas, nem o ar gélido da noite entra nem o gás sai.
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