quarta-feira, 9 de abril de 2014

Olhando para lá do que se vê

Claro que estou cansada. Claro que a minha casa ecoa. Claro que la fora está um calorzinho e cá dentro está um frio que mal se aguenta. E tudo porquê? Porque são os finais dos preparativos para as obras. A casa está a ficar deserta. Deserta de móveis, de tapetes, de vozes, de risos, de choros, de acalentos, de cheiro a comida… 
Se estou com medo? Claro, claro que estou com medo que não tenhamos tempo para aproveitar todo este sacrifício físico e monetário. Que isto de remodelações profundas fica bem caro! Mas ao mesmo tempo, eu não sou pessoa de me ficar por estes pensamentos tristes e melancólicos. Como costumo pensar, dá-me forte mas passa depressa… Além de que, não é de todo impossível vivermos mais outros 35 anos após as obras. Caramba, provavelmente também já merecemos. Não sou efectivamente a Madre Teresa de Calcutá, nada disso, mas bolas NUNCA fiz mal a ninguém. 
Se há pessoas que passam nesta vida mais do que eu? Claro, claro que há. E nem queria, nem pretendo estar no lugar de certas pessoas, nem sei onde vão buscar forças para continuar… e estou a lembrar de certas situações tão extremas de dor e padecer que nem é bom pensar. 
Mas mudemos de assunto. Estava há pouco a tomar um café e, olhando pela janela, vi um senhor caminhar quase que obrigando os pés a andar e não era por ser idoso e já lhe ser difícil deslocar-se, nada disso, era um homem ainda bem novo que deveria caminhar com ligeireza. Veio-me a memoria, a azafama que se vivia na rua onde eu morava, quando criança. Quase que consegui ouvir o pregão das varinas, sentir o cheiro que ficava no ar quando diariamente, depois de almoço, as ruas eram lavadas com grandes mangueiras pretas e nas suas pontas agulhetas bem douradas. Ao mesmo tempo que os rádios transmitiam, a essa hora, os “Parodiantes de Lisboa” com o Patilhas & Ventoinha. E todas as casas ouviam o mesmo. Caminhar na rua era presenciar que há época, as pessoas estavam em casa, mulheres, crianças e idosos e todos ouviam rádio que, na minha casa, se ligava logo pela manhã e apenas se encerrava pelas 23H00. A televisão apenas abria a emissão as 17H30 e encerrava as 0H00. Talvez por isso eu ainda hoje escolha mais a companhia do rádio do que da TV. Mas as pessoas caminhavam com ligeireza. Sorriam. Eram pobres, vivia-se numa ditadura, o dinheiro era curto. Não havia carros e as crianças jogavam a bola na rua e, pelos Santos Populares, faziam altares de St. António e pediam aos transeuntes uma moedinha para o Santo António. Como tudo isso está longe. Hoje tudo mudou. Já não há pregões. As crianças não brincam na rua. Pior, nem na rua, nem em lado nenhum. A vida mudou e mudou para melhor, no que respeita a desenvolvimento tecnológico. A medicina está mais avançada. Só que actualmente, actualmente algo falha. E depois, depois... os pés, esses, são arrastados, como se de velhos se tratassem. Antes, antes da revolução, éramos um povo triste mas ainda sorriamos e as crianças brincavam. O nosso Sol de Lisboa, sempre brilhava. O nosso céu de Lisboa, sempre tem um azul diferente e único. Hoje, quase passados 40 anos sobre a revolução dos cravos, estamos mais tristes do que antes e precisamos de arrastar os pés para andar, como se eles nos conduzissem ao calabouço em vez de ao destino pretendido. 
Que se passa connosco? Porque nos confiscaram a Alegria? Será que os nossos governantes, enquanto tomam um café, não olham pela janela e observam os transeuntes? Ou simplesmente, não olham, não sentem, não pensam, para lá do que vêem?




2 comentários:

  1. Repito: bonito texto! E não te esqueças de tirar umas fotos ao que resta do antigo ciclo da tua casa, vai ser engraçado comparar o antes e o depois...Um abraço!

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