terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Perplexidade

A criança estava perplexa.
Tinha os olhos maiores e mais brilhantes do que nos outros dias, e um risquinho novo, vertical, entre as sobrancelhas breves.
«Não percebo», disse.
Em frente da televisão, os pais.
A mãe fazia tricô, o pai tinha o jornal aberto.
... A menina, porém, sentada no chão, olhava de frente, com toda a sua alma.
E então o olhar grande a rugazinha e aquilo de não perceber.
«Não percebo», repetiu.
«O que é que não percebes?» disse a mãe por dizer, no fim da carreira, aproveitando a deixa para rasgar o silêncio ruidoso da televisão, em que alguém espancava alguém com requintes de malvadez.
«Isto, por exemplo.»
«Isto o quê»
«Sei lá. A vida», disse a criança com seriedade.
O pai dobrou o jornal, quis saber qual era o problema que preocupava tanto a filha de oito anos, tão subitamente.
Como de costume preparava-se para lhe explicar todos os problemas, os de aritmética e os outros.
«Tudo o que nos dizem para não fazermos é mentira.»
«Não percebo.»
«Ora, tanta coisa. Tudo. Tenho pensado muito e...Dizem-nos para não matar, para não bater. Até não beber álcool, porque faz mal. E depois a televisão...Nos filmes, nos anúncios...Como é a vida, afinal?»
A mão da mãe largou o tricô e engoliu em seco.
O pai respirou fundo como quem se prepara para uma corrida difícil.
«Ora vejamos,» disse ele olhando para o tecto em busca de inspiração.
«A vida...»Mas não era tão fácil como isso falar do desrespeito, do desamor, do absurdo que ele aceitara como normal e que a filha, aos oito anos, recusava.
«A vida...», repetiu.

Maria Judite de Carvalho

Nasceu em Lisboa, em 1921. Em 1959, casou com o escritor (entre outras profissões) Urbano Tavares Rodrigues. Nesse mesmo ano publicou "Tanta Gente Mariana" que foi considerado, na época, como Prémio Revelação. Em 1961 publicou "As Palavras Poupadas" que teve o Prémio Camilo Castelo Branco. Foi redactora dos jornais "Diário de Lisboa", "O Jornal", "O República" e " O Século"... Faleceu em 1998.

Tal como no texto acima, também eu, ontem, me senti perplexa, perante a atitude de uns "amigos" a quem fui visitar, devido a ele estar muito mal e, a quem durante o dia participei essa minha intenção.
Essa minha perplexidade deveu-se ao facto de me não quererem abrir a porta... (trim-trim-trim - nada) não pretendiam visitas ... e como eu deixei o telemóvel em casa a carregar, não conseguiram avisar-me sobre essa alteração de disposição... de salientar que o meu marido estava comigo (sabiam) e também sabem o seu contacto... chovia copiosamente... perante a não abertura de porta e não estando nós a perceber, lembrou-se o meu marido de telefonar do seu telemóvel para a "amiga"... "Não pretendo que vocês venham... ele não quer ver ninguém... vá entrem lá ... não sei o que ele vai pensar...."

Demorou 5 minutos o contacto com ele e outros 5/10 minutos com ela...

Que sejam Felizes... (se conseguirem) eu por mim ... não entendo!

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