sexta-feira, 4 de setembro de 2020

42ª Crónica: "Será que esta porcaria do vírus teve coisas boas?”

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

04-09-2020


Será que esta porcaria do vírus teve coisas boas?

Cruzes, credo, claro que nem estou em mim, com certeza, para imaginar coisas destas.

Mas às vezes fico a pensar… 

Quando é que a Rosa alguma vez subia cá a casa para me fazer companhia? 

E o Sr. Doutor, que há dias ia a entrar no prédio e me viu à janela e disse:

- “Olá, D. Socorro, tudo bem com a senhora?”

Até fiquei sem fala e quando lhe respondi, já ele tinha entrado.

Isto anda por aqui qualquer coisa que eu não entendo.

Há dias, ao telefone com o meu Joãozinho, estava-lhe exatamente a falar disto.

- “Não entendo nada, meu filho. Dantes, ninguém falava com ninguém ou então eram cá umas mesuras e salamaleques…”

- “Salama… quê?”

- “…leques, filho, leques”

- “Porquê? Estava assim tanto calor para se andarem todos a abanar? Olhe, se estivessem aqui em Inglaterra é que lhes fazia bem… Aqui…”

Deixei-o a falar sozinho… 

Pode ser muito bom enfermeiro e perceber muito de televisões, mas a falar é uma desgraça. 

É tudo: “iá, OK , vamos nessa”...

Eu mal aprendi a ler e a escrever. A minha senhora é que me deu mais umas luzes… Até me ensinou uma poesia que nunca mais esqueci: 

- “Ó Maria/ diz àquela cotovia/ que cante mais devagar/ não vá o João acordar…” 

Uma vez até a disse ao meu João, mas ele não vibrou muito… 

Mas mesmo assim, sou capaz de entender o que as pessoas dizem. Mas esta gente nova… Sim, porque não é só o João… Naquele dia em que me aventurei a descer as escadas para vir à rua (e que bem me soube…), decidi ir fazer uma coisa que desde o Covid nunca mais tinha feito, fui aos Correios. São mesmo no fim da rua, só tive de esperar que saísse um rapaz para depois entrar eu, e a menina Anabela fez-me uma grande festa, vá lá, reconheceu-me mesmo com a máscara.

Antes do vírus e das máscaras, eu ia lá, às vezes, mandar umas encomendas para o meu João…Coisa pouca, claro, mas para ele não se esquecer da sua terra, uma lata de atum, um bocadito de chouriço e, se não havia muita gente, ficava sempre à conversa com a menina Anabela.

Quando la cheguei estava a rir que nem uma perdida.

- “Ó D. Socorro, viu aquele rapazito que saiu? Então não é que me entregou uma carta e me perguntou se estava tudo bem, eu disse que sim, e ele outra vez “tudo? Tem a certeza?”, e eu “sim”, e ele “é que lá no escritório mandaram-me pôr… ai o que era… era assim uma palavra muito esquisita… deixe ver… “remessa”? terá sido?”, e eu “não terá sido “remetente”? E ele “isso, era mesmo isso… As pessoas agora usam cada palavra que eu nem sei como é que vocês se entendem”…

E lá ficámos as duas a rir… Ainda pensei contar-lhe a dos salamaleques… mas não contei. Coitadinho do meu João, um dia pode haver vacina para o Covid, mas para a ignorância, nunca.

Mas voltando ao que eu estava a magicar (outra palavra que o João também não deve saber…), isto anda aqui qualquer coisa que não entendo. A Rosa, para lá de estar simpática, anda com um sorriso de orelha a orelha como nunca lhe vi…

Passarinho novo?
Quem sabe…

Dras. Alice Vieira e Manuela Niza, Obrigada!

2 comentários:

  1. o texto é muito agradável de ler!
    deixa-nos de sorriso composto e já é muito de agradecer em tempo de covid
    só gostaria que esse "teve coisas boas" estive bem conjugado no passado
    é que o malandro continua por aí espalhado semeando doença e perigo de morte, e só se pode acautelar com o "tem coisas boas"?
    beijinhos, bonita partilha:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Viva, espero que tudo esteja Bem consigo, sua família, seus conhecidos e amigos.
      Por aqui vamos caminhando devagar, por entre os "pingos" do COVID, tentando que não nos atinjam...
      Vivemos tempos loucos, com esta "guerra mundial" dos tempos modernos, da era da net, dos vírus e das bactérias...
      Só hoje os casos novos, ultrapassaram os 600, só em 24 horas...
      Um Abraço, mas apenas virtual e vamos amenizando com as crónicas do "Pó de arroz e janelinha"...

      Eliminar