terça-feira, 26 de junho de 2012

"O mundo vai mal" por Mário Soares - DN - Opinião

1. Por mais otimista, por temperamento ou qualquer outra razão, que queiramos ser - e eu tenho essa tendência -, os tempos que vivemos, nos últimos anos, objetivamente considerados, conduzem-nos, necessariamente, ao pessimismo, senão mesmo ao desespero, quanto ao futuro próximo. A crise financeira, que tem vindo a corromper a União Europeia, da Zona Euro ou não, e antes os Estados Unidos, mesmo já durante o mandato de Barack Obama, apesar das suas boas ideias, cercado como está pelos republicanos, ultraconservadores e fanáticos, impõe-nos um grande mal-estar. Mas não só.
A frustração decorrente da chamada "primavera islâmica", que nos levou a pensar na vitória da democracia, naquela importante região do mundo, empurra-nos no sentido contrário. Porquê? Porque em quase todos os países tocados pela referida "primavera" é o que tem vindo a acontecer. Vide o Egito, um Estado central no universo muçulmano, apesar da vitória do Presidente, eleito pelos Irmãos Muçulmanos, e da luta contra os militares, continua a não ser nada fácil.
Também a Líbia, o Iémen e agora, principalmente, a Síria, onde o governo de Bachar al-Assad organizou, para se manter no poder, uma carnificina generalizada e inaceitável das suas populações, que perdura acerca de um ano. E a ONU não tem sido capaz de se impor, por causa do veto russo. Nem a NATO - uma vez que interveio na Líbia - nem o Tribunal Penal Internacional, apesar das repetidas condenações e do horror intolerável com que vê a opinião pública mundial tal situação. Há dias foi abatido um avião turco no espaço aéreo internacional.
E o pior é que a violência e a carnificina podem vir a alastrar para o Líbano, com as consequências daí resultantes, e ainda a atiçar o conflito latente entre o Irão e Israel. Um perigo enorme! Hipótese, que deve ser afastada por todos os meios.
Pelo contrário, a Tunísia, onde a "primavera islâmica" se iniciou e a democracia tem, de um modo ou outro, progredido, deve ser apoiada, como os dois principais Estados do Magrebe - a Argélia e Marrocos - apesar das suas contradições internas. Mas parecem poder progredir sem confrontações violentas de maior.
A Península Ibérica e os seus dois Estados - Espanha e Portugal - não devem esquecer a importantíssima necessidade de apoiar a paz no Mediterrâneo Ocidental, uma vez que no Mediterrâneo Oriental a situação é bem mais complexa e preocupante.
Não esqueçamos que a inoperância gravíssima da ONU tem vindo a manifestar-se perante as dificuldades que em diferentes partes do mundo têm ocorrido. Ultimamente, foi o que aconteceu na Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro, vinte anos depois da que tinha ocorrido no mesmo local, com enorme sucesso.
Tive a honra de ter participado nessa conferência histórica e de ter usado da palavra, por pressão do então presidente brasileiro Collor de Mello, na sessão inaugural. Foi a chamada Cimeira da Terra, que lançou as bases de uma política de desenvolvimento capaz de defender os recursos ameaçados do nosso planeta.
Vinte anos depois a deceção foi enorme porque se repetiu o fracasso da Cimeira de Copenhaga, em 2009, apesar dos esforços do Governo do Brasil, como país anfitrião. O Le Monde escreveu: "o Brasil ganhou, pelo inteligente empenhamento que manteve, mas o Planeta perdeu", porque se não tomaram as medidas necessárias. Nas ONG presentes foi a deceção generalizada, dado que lutaram, em vão, pela redução das ameaças que pesam dramaticamente sobre a nossa Casa Comum, a Terra.
Assim vai o mundo, desregulado e inseguro...

2. Um Governo à deriva
Está fora de questão a legalidade do atual Governo português. O eleitorado elegeu-o, num momento de acentuada crise. E o povo é quem mais ordena. Mas isso não significa que o Governo faça o que quer, sem dialogar com a população, com os parceiros sociais e com os partidos com assento no Parlamento. Diálogo que deve ser prévio às medidas que vai tomando e não depois de as ter tomado, como tem acontecido.
Para um observador atento, e após um ano excessivamente penoso, para quase todos os portugueses, sobretudo para os mais pobres, desempregados ou não, para a classe média, que está, numa percentagem razoável, a entrar numa "pobreza envergonhada", parece óbvio que o Governo está à deriva, sem explicar a estratégia a seguir para vencer a crise. E, por isso - mas não só -, dadas as medidas tomadas, que têm provocado um descontentamento, em ascensão, em todos os sectores da população portuguesa, de norte a sul, e mesmo nas elites.
Ora o Governo parece não se dar conta desta situação que, mais tarde ou mais cedo, o vai colocar numa posição impossível, estilo não poder descer à rua. No seu próprio partido há críticos que não temem dizê-lo, lúcida e claramente. No domingo passado os dois líderes dos partidos da coligação - Passos Coelho e Paulo Portas - falaram ao País pela televisão. Era a véspera da Moção de Censura do PCP. Palavras de grande otimismo. Mas os números não enganam. Tremenda responsabilidade dos líderes perante o descontentamento geral dos portugueses!
Sucede que o primeiro-ministro e alguns dos seus ministros mais próximos são, antes de tudo, ideólogos neoliberais, consumados e convictos, cegos para as realidades sociais, por mais gritantes que sejam. Como se tem visto nas medidas tomadas e na legislação realizada ou anunciada. A legislação de trabalho pôs em fúria os sindicatos; a destruição em marcha do Serviço Nacional de Saúde; o empobrecimento em geral, que tem vindo a atingir tanto os portugueses e levado a maioria das famílias ao desespero, como tantos portugueses e a própria Igreja têm vindo a alertar. Mas não só. O descontentamento profundo nas universidades, nos municípios e nas freguesias, nas Forças Armadas e nas polícias, nos funcionários públicos, etc., perante cortes e mais cortes, alguns sem sentido, que os portugueses sentem na pele, sem ver qualquer luz de esperança no fundo do túnel, começa a tornar-se intolerável.
É certo que o primeiro-ministro não esconde a situação. Tem dito a verdade e sempre com um sorriso. Mas não convence senão os seus próprios correligionários e não todos. Parece ignorar completamente as pessoas e os estragos que as suas medidas têm provocado no tecido empresarial português e na população em geral. A economia paralela aí está, em grandes proporções, tornando-se um quase hábito. Por isso as receitas dos impostos têm vindo a baixar e as próprias grandes empresas (e os supermercados) estão a sofrer com isso.
Discípulo confesso da chanceler Merkel, o primeiro-ministro parece não ver o isolamento político em que a líder alemã hoje se encontra, por toda a Europa e no seu próprio país. E não tem dialogado suficientemente com os seus homólogos europeus. Sem excluir o seu vizinho e correligionário de Espanha, Mariano Rajoy, que tem escolhido até agora uma política bem mais realista do que a sua.
Pelo contrário, tem visitado, como primeiro-ministro, mas mais parece como comerciante, alguns Estados ibero-americanos, para que lhe comprem ações de empresas do Estado português. Por que preço? Ignora-se. Parece querer privatizar sem que essa intenção governamental tenha sido discutida no Parlamento e explicada aos portugueses. É mau. E faz cair, sobre os membros do Governo, uma enorme responsabilidade.
Como patriota, confesso que me doeu profundamente quando vi o primeiro-ministro de Portugal na televisão (que levou consigo) fazer um choradinho para convencer os seus interlocutores a comprarem as ações da TAP, imagine-se, tão prestigiada e admirada pelos portugueses e em especial pelos nossos emigrantes, a ser vendida a retalho para que um Estado como a Colômbia, por mais amiga nossa que seja, compre. O que se pensará de Portugal, com um tal Governo, que dirige um Estado com nove séculos de História nas mesmas fronteiras?
O Senhor Primeiro-Ministro afigura-se, infelizmente, como um comerciante que pôs à venda o seu País. Não é, mas já foi. Agora é uma alta figura do Estado português e deve comportar-se como tal. Custa-me dizê-lo, mas é o que sinto: uma posição como a que tomou o primeiro-ministro na Colômbia - e foi vista por milhares de portugueses - contribui seguramente para o desprestígio do Governo. E certamente terá chocado milhões de portugueses que amam acima de tudo a sua Pátria.

3. O Museu da Politécnica
Era assim que se chamava o que hoje se intitula Museu Nacional de História Natural e da Ciência, a que também se encontra associado o célebre Jardim Botânico. Visitei-os na quinta--feira passada, a convite do seu diretor, Professor Doutor José Pedro de Sousa Dias, e das vice-presidentes Ireneia Melo e Marta Lourenço e ainda da professora, já reformada, mas apaixonada pelo Museu, Luísa Corte Real, que foi, aliás, quem mais me estimulou para fazer uma visita guiada às duas instituições, hoje completamente modernizadas. O Magnífico Reitor, Sampaio da Nóvoa, não pôde estar presente, mas teve a enorme gentileza de me escrever e oferecer um belíssimo livro, em português e inglês, sobre o Jardim Botânico de Lisboa.
Conheço bem as duas instituições, hoje remodeladas, como disse, desde os meus tempos de estudante de Letras. Foi de uma janela do primeiro andar, da Politécnica, que, a mando de Mário Ruivo, então estudante de Biologia e antifascista, fiz o meu primeiro discurso político, às massas, quando acabou a II Grande Guerra na Europa e os jovens antifascistas de então organizaram uma manifestação de regozijo memorável. Julgávamos que era o fim da ditadura. Mas enganámo-nos.
Depois veio a depuração política de grandes professores, ordenada por Salazar, que atingiu figuras muito reputadas da Ciência, como o Prof. Manuel Valadares, Zaluar Nunes e outros. Anos depois, fui muitas vezes conspirar nos gabinetes da Politécnica, com os Profs. Torre da Assunção e Francisco Mendes, meus amigos e camaradas. O tempo passou e um dia fui surpreendido com o incêndio terrível da Politécnica. A Faculdade de Ciências passou então para o Campo Grande e a Politécnica ficou numa espécie de decadência.
Em outubro de 2011 o Conselho Geral Universitário criou a Unidade dos Museus da Universidade de Lisboa com a designação provisória de Museu Nacional de História Natural e da Ciência, integrando o Jardim Botânico. Foi o que agora visitei com muita atenção, assombro e enorme admiração. O património histórico que está exposto é digno de ser visto mesmo por estrangeiros. Aconselho muito os meus leitores que visitem as duas instituições. Vale a pena fazê-lo.

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