segunda-feira, 11 de maio de 2020

16ª Crónica: "A Perpétua que nem sonhe."

    PÓ DE ARROZ E JANELINHA


Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza,
 durante a quarentena da Pandemia da Covid-19

11-05-2020

A Perpétua que nem sonhe. Ainda bem que estava aqui à janela e não ouviu o telefone.

A Luísa até é boa rapariga, muito melhor feitio do que a irmã, mas palavra que não sei o que ela faz ao dinheiro. Toda a gente sabe que as professoras não ganham muito, sobretudo para o trabalho que têm. Mas a Teresa também é professora, pode ter lá o seu feitio, que tem, mas nunca nos pede dinheiro. E tem marido e filhos, e o Vasco também não ganha muito na empresa. 

Pois a Luísa agora queria saber quando é que eu lhe mandava os 100 euros, se eu não via que já estávamos quase a meio do mês. Lembrei-lhe que o multibanco é longe, nem sequer nesta rua, e que eu não me arriscava a lá ir, ela que se arranjasse e desliguei.

Que a Perpétua nunca saiba que eu transfiro, todos os meses, 100 euros para a conta da Luísa, só para não a ouvir. Claro que ela nem agradece, é como se fosse obrigação minha.

Mas se ela tem um ordenado baixo, porque é que está sempre a comprar roupa nova, e vai sempre a restaurantes caros (bom, aqui se calhar é para ver se arranja namorado…), e todas as semanas ao cabeleireiro. Coitada, agora deve sofrer muito, lojas fechadas, restaurantes só a venderem takeaway… Mas, também por isso, deve estar a gastar menos. Palavra que não entendo.

Há uns tempos, ligou-me a dizer que o armário do quarto estava muito velho e precisava que eu lhe emprestasse dinheiro para ela comprar outro. Disse-lhe que podia mandar buscar o armário aqui da sala que estava como novo.

“ - Ó pai, que disparate… Lembra-se quando comprou esse armário? ”
“ - Não comprei. Deram-me, no nosso casamento...”
“ - Mais me ajuda… As coisas que davam nos Casamentos de Santo António, eram horríveis, tão Estado Novo… Nem sei como vocês ainda não o deitaram fora…”

Pode não ser estilo D. João V, mas é um armário muito jeitoso, cabe lá tudo e mais alguma coisa. Mas para ela não servia. E lá lhe dei dinheiro para ela comprar um móvel novo no IKEA, onde ela acha sempre que há móveis lindos de morrer.

Sempre que falo no IKEA, lembro-me logo de um dia, há uns anos, em que fui com a Perpétua a Fátima. Somos católicos, embora daqueles que não vão todos os dias à missa. Muito menos a Fátima. Mas, durante para aí uma semana, a Perpétua só falava da promessa que tinha feito quando a mãe estava muito mal, e que nunca tinha cumprido, e mais isto, e mais aquilo. E pronto, lá fomos. A Basílica tinha tido obras há pouco, todas as bancadas de madeira nova, a resplandecer. Até estava a gostar de estar ali, palavra, só nós, naquele silêncio.

Não estávamos lá há mais de cinco minutos, quando a Perpétua se levanta, pega no meu braço, empurra-me e diz: “ - Vamos embora, que eu não aguento isto ”. Lá corri atrás dela, sem perceber nada, mas o que é que ela não aguentava, no meio daquela Paz e daquele silêncio? Então a promessa? Cá fora, suspirou fundo:

“ - Desculpa, mas não me conseguia concentrar ”
“ - Porquê? ”
“ - Porque tudo me cheirava ao IKEA ”

Já passaram uns bons anitos, se calhar quando esta quarentena acabar, vou combinar com a Perpétua e voltamos a Fátima. E havemos de rir muito. 


Obrigada, Dras. Alice Vieira e Manuela Niza. 
Desculpem, não consegui encontrar a Vossa ilustração e tomei a liberdade de colocar uma outra que encontrei na net.

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