pedaços da vida

segunda-feira, 20 de abril de 2020

6ª Crónica: "Olha, olha, o finório do doutor..."

PÓ DE ARROZ E JANELINHA

Crónicas de Alice Vieira e Manuela Niza, 
durante a quarentena da Pandemia da Covid-19.
14-04-2020 

Olha, olha, o finório do doutor tem quem lhe traga a comidinha a casa… Uma miúda. Será filha? Agora ninguém pode beijocar ninguém, por isso daqui não consigo descobrir se há alguma intimidade entre eles… Mas a Menina Perpétua deve saber, que a essa não lhe escapa nada.
Mas eu não tenho ninguém que me ajude. Ai, as saudades do meu Joãozinho. Como se fosse meu filho, podem crer. Estou sempre à espera de o ver entrar por aquela porta…
Tive muita pena de não ter filhos. Mas o bêbado do meu Faustino nem isso era capaz de fazer. Também não se esforçava muito, diga-se. Quando chegava à cama ou não via nada,  toldado do vinho, ou enfiava a cabeça no travesseiro e roncava que nem os porcos em Fonte Boa de Cima.
Ao menos o meu pai ainda tinha tido tempo de me deixar cá para amostra. Ou para ser criada de toda a gente, e levar sovas de meia noite da minha mãe. Em miúda ouvia as gentes dizerem que o meu pai se metia na política e por isso tinha fugido para o Brasil, para não ir parar à choça. Não sei se nessa altura ainda havia reis, mas acho que já não. Que para mim, rei ou presidente vai tudo dar ao mesmo, desde que não me chateiem.
Por acaso agora até gosto deste presidente, sim senhor, o que ele deve estar a sofrer, coitadinho, metido  no palácio sem poder dar beijinhos nem abraços a toda a gente.… Mas para mim, desculpem lá,  nunca houve um presidente como o Sr. General Craveiro Lopes… A minha senhora era muito amiga da Sra. D. Berta, grande senhora, não desfazendo. Ia muitas vezes lá a casa tomar chá. Então a nossa rua  enchia-se de polícias, para não lhe acontecer mal nenhum, que eu também, para dizer a verdade, não sei quem é que lhe ia fazer mal na nossa rua, mas pronto. Era assim um bocado para o feioso, isso era,  mas tão simpática que a gente até se esquecia. Nesse dia eu tinha de estar fardada a rigor, bata azul, avental branco, luvas e crista na cabeça. E quando lhe deitava o chá na chávena , ela agradecia sempre e sorria.
A sala era perto da cozinha e eu ouvia muitas das conversas. Não é que eu estivesse à escuta, que eu não dou dessas, mas elas falavam e mesmo sem querer eu ouvia.
Lembro-me uma vez, quando a Sra. D. Berta e o Sr. Presidente chegaram de uma viagem por um país de África, não me lembro agora o nome, que ela foi lá lanchar, e o que ela e a minha senhora se riam duma história que lá tinha acontecido. O Sr. Presidente nunca, mas nunca mesmo, aceitava prendas que lhe dessem. Nessa altura acho que era costume, quando os presidentes faziam viagens por esse mundo, receberem grandes prendas, diamantes, estátuas, eu sei lá. Mas o Sr. Presidente nunca aceitou nada. E então nessa altura em que foram a África… rais parta  que não me vem o nome à cabeça… Havia lá muitos negros a aplaudi-lo e ofereceram-lhe um boi. Um boi, minha Nossa senhora… Como é que se traz um boi de avião para Portugal? O Sr. Presidente não queria aceitá-lo mas teve medo que os negros se sentissem ofendidos… Então aceitou. E mandou-o logo abater, e foi comido pela população toda, acho que com grande alegria de todos… O que a Sra. D. Berta e a minha senhora se riam…
Ah, e foi também no tempo do Sr. Presidente que eu vi televisão pela primeira vez. A minha senhora e o Sr. Engenheiro devem ter sido dos primeiros a comprar uma televisão. Mas, claro, eu estava no meu quarto e nem pensar em ir para a sala.
Mas houve uma tarde, que a minha senhora me chamou para eu ir à sala ver o que a televisão estava a dar… Até fiquei parva… Mas lá fui. E vi então, na televisão, o Sr. Presidente e a Sra. D. Berta a receberem a rainha de Inglaterra… Não é qualquer um que recebe uma rainha, pois não? E acho que era a primeira vez que ela cá vinha.
Mas já estou aqui à janela há um ror de tempo, não passou ninguém, e eu tenho de ir tratar de fazer qualquer coisa para o jantar, que eu não tenho uma cachopa que mo traga à porta.
Congo. O quê? Congo. Congo era o nome do tal país de África… Raios, tinha-o mesmo  debaixo da língua mas não saía. Não me digam que estou  a ficar gagá? 
Obrigada, Dras. Alice Vieira e Manuela Niza. Desculpem, não consegui encontrar a Vossa ilustração e tomei a liberdade de colocar uma outra que encontrei na net. 



Publicada por tulipas à(s) 00:07
Etiquetas: Pandemia - Coronavírus - Covid-19, Pó de Arroz e Janelinha - folhetins de Alice Vieira e Manuela Niza

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